CAPC reverbera os versos de Eugénio de Andrade em exposição coletiva
Quando o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra anunciou os artistas selecionados, via open call, para a exposição É Urgente o Amor – curada por Lígia Afonso (Lisboa, 1981) e apresentada na sede do CAPC –, a instituição flertou com um rejuvenescimento do cenário artístico da cidade.
A lista mesclou nomes com diferentes temperaturas criativas na atualidade e, majoritariamente, apostou em artistas em ascensão. Assim, É Urgente o Amor conta com o trabalho de Adrián Montenegro (Pasto, Colômbia, 1986), Cláudia Santos (Coimbra, 1981), Diogo Nogueira (Porto, 1999), Bartolomeu Gusmão (Lisboa, 1993), Fernando Travassos (Coimbra, 1990), Gil Mac (Coimbra, 1975), Ricardo Seiça Salgado (n. 1973), Francisco Brandão (Minas Gerais, 1994), Luís Silveirinha (Campo Maior, 1968), Sebastião Castelo Lopes (Lisboa, 1994), Sofia Moço Novo (Coimbra, 2000) e Teresa Luzio Morais (Santarém, 1976).
Desta forma, no dia 5 de outubro de 2024, o CAPC inaugurou em sua sede – primeiro museu de arte contemporânea de Portugal, fundado em 1958, em um casarão dos anos 1930 – uma exposição com várias revelações a dialogar em um tecido expositivo de ritmo intenso.
No mesmo dia, a alguns metros de distância da casa da sede – no prédio mais recente do Círculo de Artes Plásticas, o Círculo Sereia -, também foi inaugurada a exposição individual do consagrado fotógrafo Jorge Molder (Lisboa, 1947) intitulada como Grandes Planos, apresentada em um white cube repleto de fotografias em preto e branco e a ostentar um padrão de expografia bem definido e linear. De alguma forma, o Círculo Sereia acaba por sugerir Grandes Planos como uma espécie de oposto expográfico do que acontece na exposição da sede: assim, a obra de Molder surge como um negativo em relação ao conceito de É Urgente o Amor, tornando seu “plano” ainda maior.
Conceitualmente, a exposição na sede do CAPC germina dos versos de Eugénio de Andrade (Fundão, 1903-2005) e possui um título homônimo ao de uma de suas poesias.
Como na maior parte da obra do poeta, tal poema busca algum purismo e imagens bem definidas:
“É urgente o amor
É urgente um barco no mar
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas
[…]”
Esta premissa poética bem ilustrada também é mantida na exposição, que optou por incorporar um bom ritmo figurativista, com pouca abstração e quase nenhuma geometria. Obras com uma predisposição imersiva: algumas convidam o visitante a entranhar-se nos materiais usados para a narrativa.
O percurso da exposição é uma experiência que começa com um vídeo na sala escura da casa, próxima à entrada, como é tradicional no Círculo. Sala que é, desta vez, ocupada pelo Super 8 de Teresa Luzio de Morais.
Chama a atenção que a segunda obra possível de se ver no circuito, logo no primeiro corredor da casa, também é um vídeo, algo que é índice do ritmo do percurso, um ambiente super-enriquecido. Neste momento, fica claro que se trata de uma proposta de narrativa que aposta em toda a “urgência” que os versos de Andrade apontam.
Já o “amor”… o que é o amor?
Neste segundo vídeo apresentado em É urgente o Amor, a obra Escuta (2024) de Cláudia Santos, aposta no amor sugerido pelo sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman (Poznan, Polônia, 1925 – 2017): um amor líquido.
Neste vídeo, especificamente, além da liquidez, também emerge uma ideia de “não encaixe” em um lugar limitado e impermanente, a contradizer o verso de Eugénio Andrade: “é urgente o amor é urgente permanecer”.
A obra também sugere fluídos. Uma certa sensualidade, que foi muito bem demonstrada quando o espectador, no dia da inauguração, desceu as escadas do piso zero do CAPC e deparou-se com a obra de Francisco Brandão, a pulsar com a performance do bailarino pernambucano Tutto Gomes (Vicência, Brasil, 1976).
A obra de Brandão, A última gota (2022), é um inflável vermelho que enrijece e murcha a depender da pressão de uma bomba. Uma ideia de tensão, que chega a remeter algo do erotismo do “grande vidro” de Marcel Duchamp (Blainville, 1887-1968). O “grande vidro”, que foi concluído com uma rachadura e cujo verdadeiro nome é A noiva despida pelos seus celibatários, mesmo (1912-1923). No CAPC, Tutto Gomes domou a bomba da “última gota” de Brandão, evocando propriedades amplamente estudadas no campo da psicanálise e que são inerentes – e muitas vezes negligenciadas – ao desejo.
O piso superior do Círculo de Artes apresenta-se como a parte mais regular, imersiva e interativa da narrativa de É Urgente o Amor.
Em suas salas menores, uma foi ocupada com o trabalho da promissora Sofia Moço Novo, Distribuição de bons presságios (2024), e a outra com a consistência da produção do trio composto por Fernando Travassos, Gil Mac e Ricardo Seiça Salgado. Estes, em uma performance em sua instalação-jogo Let`s do it. Let`s fall in love. Amor é #0 (2024), apresentaram muita verdade. Em um momento específico, em que a sala estava coberta por fumaça, com o público maravilhado, presenciei, particularmente, um beijo discreto, não ensaiado, com o qual fiquei muito sensibilizado e pensei: “Olha aí o amor”. Bonito.
Na constelação de É Urgente o Amor, o grande eixo gravitacional da exposição é a sequência de seis pinturas da dupla Diogo Nogueira e Bartolomeu Gusmão. São painéis que, pendurados em cordas a bailar com os ventos, lembram as obras mais cruas de Eugène Delacroix (Saint-Maurice, 1978-1863). Também remetem ao olhar de Henri Matisse (Le Cateau, 1869-1954), quando viu O galho dourado (1834) de William Turner (Covent Garden, 1775-1851), para assim criar sua obra Alegria de viver (1834).
A exposição remete à “alegria de viver”, até pelo fato de que em uma vida radicalmente alegre e viva, a urgência do amor é, sim, uma condição sine qua non, desde que comece de dentro para fora. Talvez a alegria seja possuir um profundo autoconhecimento e amor próprio, antes de qualquer open call.
É Urgente o Amor está patente na sede do CAPC até 28 de dezembro de 2024.