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Os finalistas da categoria Jovens Artistas para o Prémio Norberto Fernandes

Foi inaugurada a primeira de duas exposições promovidas pela Fundação Altice Portugal, com o objectivo de promover e apoiar artistas no panorama artístico nacional. A primeira edição do Prémio Norberto Fernandes, criada para impulsionar a produção de projectos inovadores e com linguagens artísticas criativas, visa dinamizar a cena artística em Portugal, oferecendo suporte para o desenvolvimento e a visibilidade de novas propostas no cenário contemporâneo.

O prémio, direccionado para as artes plásticas, num valor total de 40.000€, divide-se em duas categorias: Jovens Artistas e Arte e Tecnologia. 20 (10+10) dos 250 artistas que se candidataram foram selecionados por uma Comissão de Avaliação composta por Adelaide Duarte, Manuel da Costa Cabral e Pedro Portugal. Da primeira categoria, mais de uma dezena de obras dos artistas selecionados estão agora expostas no Espaço Colecção da Fundação Altice situado no Fórum Picoas. Um destes artistas receberá um prémio correspondente ao valor de 10 mil euros (sendo 5 mil atribuídos em valor monetário e outros 5 mil em aquisições de obras do artista). Vejamos, de forma sumária, as propostas de projectos que os artistas apresentaram e que foram selecionadas.

Mesmo antes de se entrar no espaço expositivo, é possível identificar, à distância, uma série de desenhos (Sweet Circle, 2023) de Bárbara Faden. A artista toma como ponto de partida a expressão “you and me”, de Louise Bourgeois, para investigar a noção de paridade e a consequente dinâmica de diálogo ou tensão que emerge das relações interpessoais. As formas e paletas cromáticas, já características na prática artística de Faden, estabelecem uma continuidade narrativa centrada na complexidade das relações afectivas e nas variadas camadas emocionais que as permeiam. Nesta exposição, a composição dos vários desenhos, constrói uma narrativa visual íntima e profunda, que assume a forma de um “conto-diário-sonho”[1], explorando as nuances do universo emocional de forma poética.

Do lado esquerdo, o desenho ganha diferentes contornos. De Catarina Lopes Vicente, está exposta Sem título (2022-23), uma série de desenhos compostos por traços obtidos por meio de técnicas de transferência, iniciados durante a sua formação no Curso de Artes Visuais da FLAD. São registos de objectos presentes no ateliê que a artista evoca através de um processo de transferência, inscrição e revelação. Testemunhos visuais de gestos operativos sobre o papel, estes traços combinam formas e memória. Formam composições experimentais e sérias que vão para lá da representação da presença material dos objectos. É impressa a energia gestual e o movimento envolvido na sua criação, reflectindo uma exploração crítica da forma e da superfície.

De frente para a entrada está a tela de grandes dimensões de Inês Barreto, intitulada Ponto (2024). A obra, realizada em técnica mista, apresenta um caos deliberadamente construído, onde colagens, manchas de cor, sobreposições, letras e linhas se entrelaçam, formando uma narrativa visual ao mesmo tempo densa e fragmentada. O caos aparente é uma metonímia da sua prática artística, funcionando como um ponto de reflexão — “Este é o rumo no meu caminho artístico”. A obra, de profunda vitalidade, faz adivinhar uma energia marcada pela exploração de materiais e linguagens, resultando num processo criativo contínuo onde a procura por novas formas de expressão e sentido tornam-se visíveis.

Pedro Barassi apresenta uma série de pinturas de vários formatos e dimensões, onde figuram objectos, criaturas e paisagens que integram o protejo Madrugada. Este conjunto surge a partir de uma investigação profunda sobre o “caráter ambíguo das sensações que emergem da imprecisão dos contornos da insónia”[2], tema central na trajectória recente do artista. A exploração de Barassi resulta na criação de uma atmosfera imersiva, onírica que liga as várias pinturas. As suas obras transcendem o já comprovado domínio técnico apurado, operando num universo sensível, onde as fronteiras entre o real e o imaginário se dissolvem, convidando quem visita a testemunhar um estado que evoca tanto a inquietação da vigília quanto a desejada serenidade do sonho.

Em seguida, encontramos Francisco Correia com obras do projecto Eat the Frog, Swallow the Ebb (2023). A sua prática artística tem se distinguido por destacar o absurdo dos sistemas invisíveis que regem e condicionam a vida quotidiana na sociedade contemporânea. Correia cria uma espécie de microcosmos de narrativas semi-ficcionais que espelham questões intrínsecas à contemporaneidade. A instalação, composta por maquetes de edifícios, feitos de alumínio, plásticos e luzes LED, propõe uma “subversão crítica dos papéis do amador e do profissional, aludindo a uma fantasia distorcida da vida de escritório”[3]. O jogo entre realidade e ficção torna-se um instrumento de crítica, podendo querer questionar a artificialidade das estruturas que moldam a sociedade.

Samuel Ferreira, por sua vez, no projecto Acto Póstumo, apresenta esculturas em cera – material que, ao evocar a suspensão no tempo e a sugestão de uma presença corporal ausente, carrega uma simbologia fortemente associada a rituais religiosos e práticas votivas. O carácter sacral é transposto para as suas peças que exploram as tensões entre transitoriedade e mortalidade, convidando à reflexão sobre a fragilidade e os limites do corpo. Nesta mostra, com as obras A Mala e um ramo de Flores (2024) e Luz (2024), o artista parece levantar questões relativas à fé e ao papel da crença enquanto forças motrizes orientadoras, questões existenciais e espirituais.

C’est quoi cette danse? consiste num conjunto de seis pinturas de Diogo Bolota cujos títulos remetem a várias posições do ballet clássico. Nesta exposição, encontram-se Arabesque e Grand Battement, ambas de 2024. As obras parecem sugerir um paralelo entre a coreografia dos corpos no ballet e a necessidade humana de encontrar um lugar e uma postura na sociedade. Assim como os bailarinos se colocam em posições precisas, é esperado que o espectador seja confrontado com a questão de como se posicionar em frente a uma obra artística. Bolota leva-nos a reflectir sobre as inquietações que nos movem, sobre o tempo, a vida e a morte, evocando uma “necessidade de um posicionamento e movimento específico de ostentação e catarse desses seres animados”[4] – “qual o propósito das nossas vidas?”[5]

É sabido que a obra de Henrique Pavão transita por uma multiplicidade de suportes – escultura, filme, vídeo, fotografia e som – com uma atenção recorrente aos processos e mecanismos próprios de cada medium, que são frequentemente explorados como marcas de temporalidade e história. Moonshine (2023) é a escultura escolhida. Pavão recolheu fragmentos de prata extraída das películas de filmes dos laboratórios da Cinemateca Portuguesa, transformando-os numa escultura que preserva a forma circular do tambor de extracção. Esse gesto de recuperar a prata e o de conferir forma material a esse resíduo, cristaliza uma memória colectiva. “O seu gesto dá forma material a uma memória vivida na tela prateada, a lembrança fugidia de uma vida vicária que nos incorpora a todos num coletivo sonhador.”[6]

Francisca Aires Mateus tem vindo a explorar o som, a performance e o embate nas suas obras. O seu trabalho enfatiza o corpo como campo de tensão, envolvendo temas de resistência e confronto. Recentemente, na Appleton, apresentou uma instalação onde a escuridão e flashes de luz, acompanhados pelos sons de lutadoras de Muay Thai, criaram uma experiência sensorial intensa. Nesta mostra, apresenta LMT, vídeo que explora a mesma narrativa, onde a artista usa luvas de boxe para se defender de bolas de lama. Ampliando o som dos impactos e desafiando as convenções da performance e a relação íntima entre som, acção e espaço, alude à resistência frente a discursos e adversidades, tanto físicas quanto simbólicas.

Fragile Stones é a obra apresentada por Maria Trabulo. A artista reúne ao longo de vários anos testemunhos de arqueólogos e conservadores sírios onde são narrados os seus actos heróicos para salvar o património cultural da destruição durante a guerra. Esses relatos destacam a luta para preservar o museu de Raqqa, tragicamente perdido. A resistência desses profissionais à destruição e ao esquecimento ressalta não apenas a importância histórica do património cultural, mas também “sua vulnerabilidade frente às transformações sociais e à manipulação por ideologias políticas”[7].

O reconhecimento feito através da selecção destes projectos para o Prémio Norberto Fernandes é prova do potencial fremente desta geração de artistas no panorama nacional. A exposição, que pode agora ser visitada, é mostra da qualidade artística comprovada, do comprometimento sério por parte dos artistas nas suas investigações e linguagens. Os projectos serão agora avaliados por um júri constituído pela professora e investigadora Helena Barranha, pela curadora Isabel Carlos e pelo curador e crítico Miguel Von Hafe Pérez e estarão em exibição no Núcleo do Fórum Picoas até dia 28 de Novembro.

Da categoria Arte e Tecnologia, os projectos seleccionados estarão expostos na Fundação Portuguesa das Comunicações – Casa do Futuro de 19 de Outubro a 28 de Novembro.

Nota: a autora não escreve sob o abrigo do AO90.

 

[1] Segundo texto em https://fundacao.altice.pt/arte/premio-norberto-fernandes
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] Segundo texto em https://www.diogobolota.com/cest-quoi-cette-danse
[5] Segundo texto em https://fundacao.altice.pt/arte/premio-norberto-fernandes
[6] Tradução livre de texto em https://henriquepavao.com/Moonshine
[7] Segundo texto em https://fundacao.altice.pt/arte/premio-norberto-fernandes

Maria Inês Augusto, 34 anos, é licenciada em História da Arte. Passou pelo Museu de Arte Contemporânea (MNAC) na área dos Serviços Educativos como estagiária e trabalhou, durante 9 anos, no Palácio do Correio Velho como avaliadora e catalogadora de obras de arte e coleccionismo. Participou na Pós-Graduação de Mercados de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa como professora convidada durante várias edições e colaborou, em 2023 com a BoCA - Bienal de Artes Contemporâneas. Desenvolve, actualmente, um projecto de Art Advisory e curadoria, colabora com o Teatro do Vestido em assistência de produção e tem vindo a produzir diferentes tipos de texto.

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