Apertura Madrid Gallery Weekend 2024
Setembro marca o retorno da temporada de exposições e a sensação efervescente de metrópole cultural se propaga pelas ruas de Madrid. Dias quentes de verão ainda vislumbram enquanto caminho pela cidade a descobrir a 15ª edição do Apertura Madrid Gallery Weekend. Organizado pela Arte Madrid (Associação das Galerias de Arte Moderna e Contemporânea de Madrid), mais de 50 galerias inauguram simultaneamente em diversas regiões da cidade mostras de artistas espanhois e estrangeiros, em diferentes momentos de carreira. A edição deste ano aconteceu entre os dias 12 e 15 de setembro e contou com algumas galerias estreantes, como Espaço Mínimo e Memória.
A app Arte Madrid foi uma aliada que contribuiu com a atuação do acaso, trazendo algumas surpresas no percurso ao acompanhar o trajeto em tempo real pelo mapa da cidade. Há muito para ser visto, a maioria das galerias propõe mostras individuais, outras apresentam um diálogo, como é o caso da Memória, com Lo Arbóreo de Gustavo Pérez e Lin Calle, ou exposições coletivas como a Galeria Silvestre, com Así que pasen diez años, que conta com a participação dos artistas portugueses Catarina Botelho, Martinho Costa e Sara Bichão, e a Galeria La Caja Negra com a coletiva Mapa y paisaje. 25 visiones sobre la superficie de la tierra, onde também encontram-se obras dos artistas portugueses Pedro Cabrita Reis e Daniel Blaufuks.
Questões relacionadas a novas tecnologias e estruturas de poder aparecem na Sabrina Amrani em Carabanchel, com Generated Dreams do duo de artistas formado em Istambul e radicado em Bruxelas :mentalKLINIK, e na The Ryder, com From Fictional Videogames to Hypothetical Museums of the Future, primeira individual da artista britânica Suzanne Treister na Espanha.
No tempo em que desejos são definidos por algoritmos, uma noção distorcida da realidade, plastificada e estimulada pela alucinação virtual apresenta-se em Generated Dreams, de :mentalKLINIK. Cortinas fragmentam o espaço da galeria sugerindo uma espécie de tela, um filtro que espelha imagens alteradas e revela parcialmente o que há do outro lado. Atraídos até esta grande sala, uma sensação voyeurística se manifesta ao observar Billie e Valentine. As criaturas fantasmas dividem o espaço com três estruturas industriais, enquanto, nas paredes, imagens geradas por IA e uma série de “pinturas que não são pinturas” refletem o domínio das aparências, levantando questões como autoria e os efeitos das tecnologias digitais na produção artística e na atualidade.
Suzanne Treister (Londres, 1958), pioneira da arte digital nos anos 90, traz para a The Ryder uma seleção de alguns de seus principais trabalhos. Em From Fictional Videogames to Hypothetical Museums of the Future, uma série de desenhos e pinturas retratam narrativas históricas e políticas em cartas de tarot e simbologias alquímicas. A crítica institucional se desenvolve em uma abordagem esotérica, onde diagramas multicoloridos e representações místicas criam universos imaginativos a partir de mecanismos dominantes da cultura contemporânea. A instalação multimídia Time Travelling with Rosalind Brodsky reforça o aspeto ao mesmo tempo nostálgico e futurista da exposição e convida o espectador a uma viagem no tempo e no universo de Rosalind Brodsky, alter-ego da artista.
A ironia que permeia ambas proposições como instrumento para tratar de questões políticas é também observada na Espaço Mínimo, em Other unfinished stories de Liliana Porter (Buenos Aires, 1941). Objetos em miniatura compõem uma série de cenas e situações simultâneas, algumas mais trágicas e outras mais sutis ou mesmo triviais. Associações que talvez não se relacionem à primeira vista tomam forma em meio a porcelanas quebradas, prestes a serem varridas por esta que dá título à instalação La barrendera. Junto ao jogo de escalas, um ar kitsch é sublinhado pela coleção de antiguidades, a poeira em espiral reforça um tempo não linear e o excesso de informações, entre as representações e engrenagens determinantes, aproxima-se da dinâmica de funcionamento da mente.
Na 1Mira, Patricia Gómez e María Jesús González (Valência, 1978) apresentam Espejo del Mundo. As paredes corroídas, retiradas do interior do antigo hospital psiquiátrico de Bétera, trazem vestígios do abandono. Deslocados de sua origem, fragmentos carregados de memórias ocultas e incompreendidas são revelados e elevados ao status de objeto de reflexão e contemplação. Na instalação que dá título à exposição, o observador, desafiado a confrontar a própria imagem refletida nos espelhos quebrados e desgastados do hospital psiquiátrico de Bétera que se misturam aos reflexos das fotografias de suas ruínas, depara-se, dentro deste corredor estreito, com o tênue limiar da consciência humana.
Diferentes abordagens em torno da linguagem da escultura e a produção em série a partir de um material tomam forma na Alzueta Gallery, com One Bamboo Show de Laurent Martin “Lo”, na Albarrán Bourdais com Emergencia de Héctor Zamora, e na FORMATOCOMODO com Folded forms de Karlos Martínez.
Laurent Martin “Lo” (França, 1955) explora aspetos físicos e espirituais da matéria em One Bamboo Show. Esculturas cinéticas evocam eventos cósmicos e corpos celestes num fluxo de órbitas. Por meio da tensão entre os fios, o artista cria relações entre peso e leveza, resistência e flexibilidade que remetem aos sistemas interdependentes e ecológicos. O traço etéreo da exposição contrasta com os vestígios de intervenção humana que encontramos a poucos metros, na Albarrán Bourdais.
Em Emergencia, Héctor Zamora (Cidade do México, 1974) ocupa a galeria com vasos e blocos de terracota, material normalmente utilizado em construções. Enquanto, na parede, a escultura L’oeuf de vie (2014), formada por um conjunto de blocos hexagonais, remete a um equilíbrio harmônico, dispostas por toda a galeria estão pilhas de vasos remanescentes da ação registrada no vídeo que também é apresentado na exposição, onde pessoas espalhadas dentro e fora do edifício lançam os vasos de mão em mão, a fim de transportá-los de um lugar ao outro com um sentido de urgência que tenciona método e imprevisibilidade.
A FORMATOCOMODO apresenta Folded forms, de Karlos Martínez (Bilbao, 1982). Neste caso, não são os materiais naturais mas industriais que protagonizam a exposição. As peças aludem a mobiliários domésticos, desdobram-se na repetição das formas silhuetas familiares e sensações ambiguas daquilo que é ao mesmo tempo habitual e estranho. Ao recombinar os elementos, novas articulações configuram um senso de mutabilidade e dinamismo e questionam, entre as linhas de montagem, a função e o significado dos objetos.
A Umbigo viajou a Madrid a convite da Apertura Madrid Gallery Weekend.