Afinidades na Joalharia Contemporânea no Museu Nacional Soares dos Reis
O artista António Soares dos Reis (1847-1889), em 1867, submete a escultura Firmino (1867) na Academia Portuense de Belas Artes, como prova de concurso para uma bolsa no estrangeiro. Um busto em gesso, posicionado de frente com torção da cabeça, onde se destaca a modelação dos cabelos, do bigode e do olhar. Traços do modelo que, como podemos ver em esboços, poderão ter sido características relevantes a ter em conta na elaboração da peça que ganhou o concurso. Curiosamente, quem posou para Soares dos Reis foi António Firmino dos Santos Almeida, também estudante de escultura e, mais tarde, porteiro do Museu Portuense e modelo na Aula do Nu na Academia.
Firmino (1867), Estudo de modelo nu e busto de Firmino (s.d.) e Perfil de modelo masculino (s.d.) são as três obras de Soares dos Reis patentes no Museu que homenageia o artista, escolhidas como mote e inspiração para a edição de 2024 do projeto Afinidades, este ano dedicado à joalharia contemporânea e resultante numa exposição, com curadoria de Inês Nunes.
O Afinidades surge de uma parceria entre o Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR) e a Associação Quarteirão Criativo (Miguel Bombarda, Porto), visando um ciclo de cinco edições, com temáticas anuais, compreendidas por exposições, workshops e conversas, incentivando o diálogo criativo entre a comunidade do Quarteirão e a história e coleção do MNSR, assente nas ligações entre museu, território e vizinhança.
O Quarteirão Cultural de Miguel Bombarda é conhecido pelas suas galerias de arte contemporânea, estabelecimentos dedicados ao lazer, cultura e gastronomia, com lojas que se distinguem pela sua diversidade e singularidade, com peças alternativas, desde roupa, a joalharia, mobiliário, vinis, ou livros infantis. De dois em dois meses, ocorrem as Inaugurações Simultâneas, com visitas guiadas às exposições e outros eventos culturais, tais como de música, dança e oficinas de desenho ou pintura, entre muitos mais. A criação de um núcleo cultural na cidade, juntando várias galerias de arte, foi relevante para o panorama galerístico portuense. Tudo começou em 1997, por impulso do galerista Fernando Santos, tendo várias galerias se instalado na Rua Miguel Bombarda e adjacentes. Mais tarde, em 2007, arrancou o projeto Inaugurações Simultâneas, afirmando o quarteirão como área criativa e projeto de continuidade. E em 2009 começaram as obras de reabilitação da Rua, com destaque para o projeto de arruamento pedonal com desenhos de Ângelo de Sousa. A associação Quarteirão Criativo, atualmente presidida por Tânia Almeida Santos, foi formada em 2022, tendo como principal objetivo o desenvolvimento local da zona de Bombarda.
Este núcleo cultural no Porto também é relevante enquanto circuito de joalharia contemporânea, com um número significativo de galerias, ateliers e lojas com peças da especialidade. Razão pela qual a edição deste ano do Afinidades tenha sido consagrada a esta produção artística. Houve uma chamada de trabalhos a joalheiros e artistas de várias áreas disciplinares do Quarteirão, para desenvolverem peças inspiradas em Firmino (1867), tendo em conta as temáticas do corpo, desenho, objeto e espaço na arte. Concurso com um júri constituído por Estefânia Almeida, Carla Castiajo, Inês Nunes, Marina Costa, Susana Medina + Hugo Cahill e Teresa Dantas. As peças estão expostas em Afinidades na Joalharia Contemporânea no MNSR, de entre as quais uma será convidada pela instituição a fazer parte da sua loja, por voto dos visitantes da exposição.
O projeto expositivo foi concebido como se fosse uma sala de desenhos de modelo nu, numa reflexão sobre a ideia de escultura à joia. As peças estão dispostas em mesas, destacadas com iluminação pontual, colocadas em semicírculo, tendo no seu centro um foco de luz, talvez incorporando Firmino quando posava para Soares dos Reis, no contexto do concurso. De uma grande diversidade de formas, materiais e tipologias, desde o colar, ao anel, ou à coroa, do barro cozido, à resina, ou ao papel, cada peça revela as potencialidades e a complexidade da joalharia contemporânea enquanto expressão artística. Conforme as palavras da curadora no texto que acompanha a exposição: “Distingue-se por si própria, na interação do limite do corpo ou extensão do mesmo, e/ou pelo contexto em que se apresenta. Resulta de um processo íntimo de quem através dela quer expressar a sua originalidade, pela diversidade de interpretações, quando a intenção poderá ser só uma, do ponto de vista do artista.”
Afinidades na Joalharia Contemporânea está patente no Museu Nacional Soares dos Reis até 16 de novembro de 2024.