RANDOM pela AZAN contemporary art
Na rua da Quintinha, próxima de São Bento, em Lisboa, ergue-se um prédio de quatro andares que albergou, durante cinco dias, a exposição coletiva RANDOM. A exposição compreendia um conjunto de obras de 50 artistas, selecionados pela AZAN contemporary art, um projeto autónomo desenvolvido pelo artista Tomaz Hipólito.
Tomaz Hipólito não pretendeu, com este projeto, ser o curador de uma exposição, mas antes dar origem a um momento de livre criação, onde os artistas poderiam expor obras de sua autoria, algumas delas realizadas especialmente para o evento.
O prédio foi, assim, durante um curto espaço de tempo, ocupado, nos seus mais diversos espaços e recantos, por obras de arte de distintos meios e disciplinas. Cada artista pôde escolher a sua divisão, sem ter conhecimento dos artistas que iriam integrar a lista de participantes, ou mesmo saber quem iria partilhar o seu espaço.
Numa associação livre, é como se de um Cadavre Exquis se tratasse, um exercício de surrealistas, onde houve oportunidade de conjugar obras de modo imprevisto e que, só no momento da inauguração, se poderia ver, desdobrados, e revelados, os seus mais variados resultados.
A aleatoriedade do projeto de Hipólito constituiu uma oportunidade para, de forma pura e cristalina, estabelecer uma ligação salutar e heterogénea entre artistas de diferentes gerações, e permitir a experimentação de modo aberto, resultando assim, inevitavelmente, como disse Hipólito, num “coletivo improvável”, que possibilitou novos olhares, e um rejuvenescimento da prática artística.
No momento em que ingressámos no primeiro piso da exposição, vislumbrámos, frente à entrada, uma divisão ao fundo, recortada por uma longa estrutura suspensa, composta por elementos a vermelho, a disferir traços sobre o branco alvo da parede. Tratava-se de uma peça de Cristina Ataíde, uma extensa estrutura, semelhante à forma de uma canoa, que se descobria pendurada de modo menos usual, diagonal face à planta da sala. Numa posição inclinada, a peça de Ataíde surgia desalinhada face à posição hidrodinâmica fundamental, habitualmente aplicada a estas estruturas. Esta obra integra parte de um grupo de obras da artista que nos habituou à leveza e às formas suspensas.
A peça inflexiona o tema do movimento, da viagem, das geografias incertas, e incorpora, uma vez mais, a alusão a uma oposição transitória entre vazios e cheios, negativos e positivos. No entanto, também envolve o leitor em jogos de perceção como exterior e interior, linha e cor.
A sala de Ataíde dava acesso a uma outra onde era possível encontrar uma peça da artista Clara Lambert. Realizada em 2024, parecia prolongar narrativas presentes na peça de Ataíde, ou mapear a sua história, quando o que se vislumbrava era uma figura impressa sobre metal, que nos aludia a um certo território, a um desenho de uma planta, e depois, em simultâneo, a uma superfície texturada que recordava manchas de efeitos marmoreados.
Do lado direito, no mesmo piso, o chão encontrava-se coberto por manchas de tinta preta, já anunciando uma outra sala. Imbuída de grande e vigorosa gestualidade, as paredes da nova sala surgiam cobertas de tinta. Ao ingressar nesta nova divisão, fomos surpreendidos por essas longas manchas, não só no solo, mas também sobre as paredes. O artista era Tomaz Hipólito, habituado a trabalhar com o tema do espaço. Além das paredes e chão toldado por estas manchas vigorosas, o artista exibia também alguns desenhos com motivos abstratos sobre folhas de papel. Ainda na mesma sala, Richard Hoglund apresentava uma obra, bidimensional, de pequenas dimensões, coberta de tinta, e finalizada com texturas de linhas retas, linhas curvas, e pequenas garatujas.
Uma outra sala ofereceu-nos uma tela de Sofia Aguiar, 2015, e defronte, no seu lugar oposto, em perfeita harmonia com a pintura da artista, encontrava-se exposta uma obra de Cabrita Reis, Cabrita, de 2017. Uma deliciosa peça, fixada sobre a parede, composta por fragmentos em madeira, de um armário ou mesa-de-cabeceira, e preenchida, no seu interior, por uma garrafa em posição invertida.
Catarina Câmara Pereira e Pedro Letria participaram com uma instalação. Uma fotografia de Letria, fixada sobre a parede, era refletida sobre o solo, por meio de um grupo de espelhos aí dispostos, em forma de ladrilho. A imagem fotográfica de Letria revelava-nos um lugar de intimidade, uma cama, fotografada por cima. Os lenções e almofada (decorada em motivos florais delicados), encontravam-se moldados de tal modo que a figura elaborada aparentava, para alguns, parecer uma silhueta feminina, deitada sobre um leito.
De seguida, uma obra de Tomás Toste prefigurava uma nova sala, onde era também possível ver uma escultura de Vasco Futscher. Numa posição alta, fixada sobre a parede, surgia uma forma em grés, realizada pelo segundo artista em 2021. Seria um castiçal? A sua estrutura, espessa e forte, recordou Zola, e o modo como o escritor admirava o vigor na obra de Rodin.
Na mesma sala, uma instalação de Vasco Araújo ocupava o espaço central. A obra Trabalhos para nada: in memoriam, de 2024, compreende fragmentos em talha dourada, dispostos sobre uma bancada de trabalho, e identificados um por um. Etiquetas com frases sobre o tema do corpo e a fugacidade do amor surgem atadas aos fragmentos: “Do you know? We love because the solitude becomes unbearable. It is for this very reason that we fear the inevitable”, ou “To love someone is not simply to want them to love, it is also to be amazed that they cease to love, as if dying were not natural.”
Fernanda Fragateiro apresenta-nos uma obra de 2009, uma escultura de uma casa em pequenas dimensões, entreaberta no telhado, refletora de toda a sala, tornado possível pela superfície espelhada. Delfim Sardo terá dito, sobre a artista, no texto de sala da exposição Cidade Incompleta: “O trabalho de Fragateiro começa sempre de um atrito entre incerteza e fragilidade dos processos históricos, os fracassos da modernidade, confrontados com a força da utopia e a forma estrita das suas esculturas”.
João Lança Morais revela-nos um conjunto de fotografias em modo tríptico. Imagens sobrepostas, compostas por juntas de construção e estruturas arquitetónicas, dialogam entre si e também com a obra de Fragateiro.
A sala escolhida por Miguel Palma oculta uma esconsa mezzanine. No piso inferior pode observar-se um pequeno abrigo subterrâneo, decorado com um panejamento em camuflado. Ligam os dois pisos, interior e exterior, uma longa vigia, indiciando o sentimento de fragilidade e insegurança dos tempos atuais.
José Taborda apresenta uma obra realizada em 2024. Uma serra suspensa, ao centro da sala, é cortada, por sua vez, por uma outra serra, de pequenas dimensões.
Arturo Comas revela-nos, uma vez mais, uma transmutação de uma cadeira. Desta vez a intervenção foi feita numa cadeira Gonçalo, acompanhada por um tampo de uma mesa, de semelhante tipologia, disposto sobre a parede.
Ana Hipólito Magalhães, Chico Aragão, India Mello, Inês d’Orey, João Madureira, Margarida Norton de Matos, Maria Ana Vasco Costa, Maria Appleton, Mariona Berenguer, Mia Didek, Sophie Warren, Jonathan Mosley, Diogo Soares, Teresa Segurado Pavão, Tiago Batista, Carlos No, Diogo Guerra Pinto, Einar Grinde, Francisca Aires Mateus, Guilherme Dutschke, Hugo Bernardo, Igor Jesus, Inez Wijnhorst, João Rosa, Manuel Caldeira, Maria Peixoto Martins, Miguel Rondon, Rodrigo Rosa, Rui Sanches, Rui Toscano, João Simões, João Campolargo Teixeira, Maria Couto, Philipp Mettler, Rui Horta Pereira, Tatiana Macedo e Tomás Colaço foram os restantes artistas que integraram a exposição organizada por Tomaz Hipólito e tornaram possível a grandiosidade do projeto Random – merecendo, por isso, e pela sua magistral participação, uma justa atenção, e um estudo mais detalhado, em tempos vindouros.