Imaginário Coletivo: CACE em Aveiro
Ocupando dois espaços do Museu de Aveiro/Santa Joana, Imaginário Coletivo, com curadoria de Sandra Vieira Jürgens, reúne na Capital Portuguesa da Cultura 2024 uma seleção de obras da Coleção de Arte Contemporânea do Estado. Nomes emergentes são amplificados pela presença de autores consagrados, demonstrando a capacidade desta coleção em crescimento de cobrir cada vez mais a contemporaneidade artística, nacional e internacionalmente.
A exposição inicia-se num espaço convencional, simétrico, semelhante a um corredor. Através dele vemos obras que constituem um statement da própria exposição. Atentemos, por exemplo, na obra Portrait of Joseph Beuys (1986), por Keith Haring, uma pequena serigrafia onde se intersetam dois dos maiores nomes da pós-modernidade, num frente a frente com Ana Hatherly (Série Pavão Negro, 1992), uma obra repleta de uma gestualidade que em muito se relaciona com os traços sobre e sob a representação do rosto de Beuys. O trajeto ao longo deste corredor faz-se destas correspondências, acima de tudo formais. Vejamos a clara e interessante relação entre Fernando Lanhas e Donald Judd, a proximidade entre Belén Uriel e Álvaro Lapa ou o modo como o trabalho de Manuel Casimiro se constitui uma possível galáxia habitável pela obra de Rui Sanches, na parede oposta.
Desembocando numa área um pouco mais ampla, este caminho inicial leva-nos a Tomber Dans Le Lac (2018), de Luis Lázaro Matos, composta por um acrílico sobre tela e um vídeo que partilha esse espaço com o diálogo entre Paulo Brighenti e Joana Escoval, Sem título, da série Uma estátua roída pelo mar (2019) e Living Metals V (2018), respetivamente. Tomber Dans Le Lac, expressão que em francês significa cair num mundo de emoções, trata-se de um trabalho sobre o deslumbramento e os seus perigos, com um particular enfoque na figura de Luís II da Baviera.[1] Em ambos, quer no vídeo quer na pintura, a protagonista é uma moreia.
O elemento aquático, transversal às peças já referidas e que lhe são contíguas, estende-se ainda para One Last Longing (2020), de Henrique Pavão. Este vídeo, composto por gravações de diferentes espaços (barragens, monumentos, quartos), tempos e realidades, provoca a sensação de estarmos a assistir a um conflito interno de proporções oníricas, onde a ação do felino e a veemência da água são momentos abismáticos, viscerais, longe de uma superfície, leia-se nitidez.
Neste primeiro núcleo expositivo, podemos ainda ver obras de Ana Silva, Paula Rego, Bruce McLean, Andreia Santana e Julião Sarmento. Se os últimos quatro trazem questões ligadas ao figurativismo, a primeira releva uma linguagem têxtil que encontra uma maior ligação formal no segundo núcleo. Podemos também contemplar A Pyramid (1986), de Sol LeWitt e, mais à frente, com uma posição nitidamente intersticial, entre núcleos, a obra Surround (2018-2019), de Claire de Santa Coloma.
O segundo momento acontece num espaço generosamente mais amplo. As obras aqui apresentadas sublinham a representatividade artística desta exposição, reforçando este mapeamento do pós-moderno, principalmente em termos nacionais, tendo naturalmente em conta os nomes anteriormente referidos. A pintura serial de Fernando Calhau encontra-se com a capacidade de pintar com a luz de Lourdes Castro. O figurativo reinventado de Joaquim Rodrigo avizinha-se do abstracionismo geométrico de Joaquim Bravo, sempre repleto de uma gestualidade que nos leva ao início do caminho. Por perto, uma fotografia de João Tabarra, um trabalho de Cristina Ataíde que se autonomiza e ocupa o espaço, numa particular ligação com a obra de Rui Horta Pereira e uma outra peça espacializada, de Maria Trabulo. Numa das paredes, duas sublimes pinturas de João Marçal: ao recorrer aos bancos de autocarro como objeto do seu ofício, a posição do espectador é invertida. Somos, subitamente, contempladores do dia-a-dia, da azáfama, da imensidão do nada que por vezes significa estar à espera. Tito Mouraz, Carlos Bunga, Graça Pereira Coutinho, Rigo 23, Luísa Correia Pereira e Manuela Marques também aqui contribuem para esta narrativa da arte em Portugal, neste segundo núcleo expositivo, onde há também lugar para obras de Allan Sekula, Matt Mullican e Peter Zimmermann. Há uma certa ideia de consagração latente em toda a exposição.
A visitar até dia 22 de setembro.
[1] https://www.lazaromatos.com/Tomber-Dans-Le-Lac.