8.ª edição do Festival Dar a ouvir: O Som de todas as coisas, em Coimbra
A oitava edição do festival Dar a Ouvir, um projeto coorganizado pelo Serviço Educativo do Jazz ao Centro Clube (JACC) e pelo Convento São Francisco / Câmara Municipal de Coimbra, inaugurou, no dia 18 de julho, a sua componente expositiva, constituída por três momentos. A referência à data é de particular importância por se tratar do Dia Mundial da Escuta, data instituída pelo World Listening Project em 2010. O dia escolhido constitui uma homenagem a R. Murray Schafer, que nasceu nesse mesmo dia, em 1933. O compositor, educador musical e autor canadiano foi fundamental na criação dos termos Paisagem Sonora e Ecologia Acústica, na década de 1970. Em 2003 foi o diretor artístico do projeto Coimbra Vibra.
Seguindo o trajeto proposto no dia inaugural, este texto começa por abordar a instalação sonora MS02 (Mobiliário Sonoro 02), de Cristiana Bastos, Pedro Martins e Tiago Martins. Trata-se de um objeto interativo que reúne sons pertencentes ao Arquivo Sonoro do Centro Histórico de Coimbra (asCHC), “uma coleção de paisagens e marcos sonoros recolhidos pelo Jazz ao Centro Clube sob a direção artística de Luís Antero”[1]. Este paralelepípedo que recebe uma xilogravura na face que acolhe o visitante é composto por várias gavetas que, ao serem abertas, revelam sons extraídos do referido arquivo. Este grau de interatividade permite ao público a criação de inusitadas paisagens sonoras, autênticos compósitos, originadas pela aleatoriedade ou estratégia lúdica do participante. Os sons, extraídos do dia-a-dia da cidade de Coimbra, são arquivo e tempo em si mesmos.
O momento seguinte, a exposição individual do artista português Gil Delindro, intitulada A Natureza não Reza, é composto por seis obras produzidas nos últimos seis anos que partilham entre si a característica vincada de revelaram sons da natureza indizíveis no léxico humano, transportando a ideia de incompreensão e estranheza na nossa relação com o meio ambiente. Esta intenção de captar e dar a ouvir o lado escultórico de sons que inevitavelmente nos escapam constitui um trabalho de um delicado diálogo com o planeta.
Em contraponto com um certo modo de representação na história da arte, a paisagem é aqui retratada no seu devir, num perpétuo movimento, por vezes invisível, cuja invulgar audibilidade aqui se manifesta. O artista opera entre os elementos naturais (como cortiça queimada, palha de centeio ou madeira de bambo) e os elementos que permitem a amplificação sonora (subwoofer, cobre ou placa de alumínio), estranhos ao planeta numa visão primeva, mas essenciais para a composição destas esculturas sonoras que muito dependem da relação com o corpo do espectador (aspetos sonoros e visuais são afetados, evidentemente, pela distância a que o visitante se coloca). A questão do som enquanto fenómeno físico torna-se ainda mais presente na obra Para lá da escuta 1 & 2, produzida em colaboração com um grupo de pessoas surdas. Para além do aspeto matérico, importa referir igualmente a importância da proveniência geográfica de alguns dos sons utilizados por Gil Delindro que, fruto das suas origens, contribuem naturalmente para a densidade das obras.
O terceiro momento, intitulado Mil Pássaros, projeto da autoria da Companhia de Música Teatral, trata-se de uma instalação realizada com a colaboração de educadoras, auxiliares de educação e crianças de 48 salas de Jardins de Infância do Município de Coimbra. Estes pássaros de papel, ou orizuros, feitos de acordo com a arte do origami, são combinados com uma “murmuração visual e sonora”[2], numa mensagem de paz, felicidade e busca pela realização dos desejos.
Dar a Ouvir termina a 1 de setembro, apresentando na sua programação performances sonoras, concertos e oficinas, para além destes momentos expositivos no Convento São Francisco – Salão Brazil.
[1] Da folha de sala do evento.
[2] Da folha de sala do evento.