Os cantos da floresta de Pedro Vaz e Lorena Solís Bravo
A exposição Uma pedra, um ser parte de uma viagem feita às florestas amazónicas pelo artista Pedro Vaz, sobretudo o caminho do ouro percorrido por pessoas escravizadas e originalmente terra de tribos indígenas.
A primeira obra preenche a sala com um relato. Às cores ricas que por norma associamos à Amazónia, o artista dá antes primazia às formas através da fotografia a preto e branco, parecendo querer ultrapassar o fascínio com a cor para captar algo de mais transformador. Mas é entre os caminhos trilhados, esqueleto que nos dá contornos a um lugar sem referências humanas, e a imensidão do espaço, que nos é narrado um diário de viagem: não intimista, mas filosófico. Na mesa a seu lado, juntam-se materiais e texturas (folhas, rochas, frutos, flores) a mapas e fotografias, com um instrumento de precisão para navegação de fundo.
Mais à frente, com a presença de imagens sobrepostas em vídeo a preto e branco (Dead, 2004) na primeira sala e vídeos a cores num segundo momento – com duas projeções a juntarem-se num ecrã (Coaxial Window, 2019) –, somos convocados a entender o espaço como algo aparentemente estático, mas que está cheio de vida e em constante mudança.
Afinal, o tratamento da natureza não como entidade dotada de vida e de espírito, mas como local de extração de matéria-prima, foi parte do processo de mercantilização em que se enquadrou o colonialismo, desaguando na escravatura e na rota de ouro. Uma forma de tentar recuperar a má fama do conceito de exploração é renovar o seu significado de contemplação, ao invés da destruição.
Para isso, vaguear torna-se o tema central da criação artística, isto é, o próprio ato de observar é protagonista. Alheamo-nos dos objetos fotografados para dar primazia ao ato de fotografar e interagir com a imensidão da natureza, lugar a que simultaneamente sempre somos bem-vindos, mas a que já não pertencemos.
A ideia de estar perdido no território é acentuada em Terra Firme, navegando entre a imagem desfocada recheada de som e a captação do formato das folhas, retirando-nos do contexto abrangente e salientando o pormenor. Deve-se, portanto, confundir a árvore com a floresta.
A última peça, o transporte performático de uma pedra do parque natural da Serra da Arrábida para o espaço expositivo e sua devolução, constitui o objeto exposto sem médium, em antítese à mediação audiovisual central nas restantes obras ou na caixa de espelhos de Space Box.
Destas viagens ao território, partimos para a obra The guest, the host & the ghost de Lorena Solís Bravo, apresentada no Project Room • Guest Young Artist, um filme também ele sobre a interação do humano com a natureza. Desta feita, embora seja imageticamente um percurso de corpos com a floresta, ele é sobretudo um diálogo com algo que habita em nós, feito de ruídos que associamos a extraterrestres e guiões de filmes de ficção científica.
Esse Outro viscoso que fala no plural não comunga com o corpo, antes parece apossar-se dele. Não é bem de uma coreografia de dança que se trata, mas, sobretudo, de um ritual de que a consciência não participa. Desse ritual, retemos novas formas de nos perdermos no cenário.
A obra The guest, the host & the ghost de Lorena Solís Bravo e a exposição Uma pedra, um ser, de Pedro Vaz, permanecem na Fundação Leal Rios até 27 de julho.