Top

A leveza de ser Pedro Cabrita Reis

É privilégio de poucos artistas ver reunidas 1500 obras de sua própria autoria em um só lugar. Começar a produzir aos 15 anos, e seguir firme cinco décadas depois, é uma conquista. Pode também ter a sua leveza carregar um dos nomes de maior peso na arte contemporânea portuguesa. E é com a vivacidade de 50 anos de carreira que Pedro Cabrita Reis apresenta seu Atelier.

Há quem diga que retrospectivas deveriam ser apenas dedicadas a artistas mortos e, assim, a exposição de Pedro Cabrita Reis, na Mitra de Marvila, em Lisboa, não se encaixa na categoria. Ali mesmo, durante a montagem da exposição que durou dois meses, o artista continuava a produzir cerca de vinte obras fresquinhas que foram mais tarde incorporadas à mostra.

“Há uma sobreposição de vários níveis de atelier”, conta Pedro Cabrita Reis. “Há um atelier que é uma exposição, que traz obras da minha coleção pessoal. E quero mostrá-la de forma caótica. Tem ainda outro patamar que são as obras que eu fui criando no momento enquanto meus assistentes estavam a montar a exposição. E há ainda o facto de que a exposição por si só é uma grande obra. Eu entendo ela como tal.” A entrevista para a UMBIGO ocorria por telefone, e assim era fácil imaginar que, do outro lado da linha, o artista vestia terno, colete e chapéu, e fumava o charuto sempre parte integrante da sua elegante figura.

Esculturas grandes e pequenas, pinturas, fotografias, gravuras e desenhos; bigornas, martelos, portas e janelas, escadas; imagens de obras realizadas pelo mundo, mapas, anotações; pneus, tijolos, vitrines, suportes e bancos. Tudo está junto e misturado e ocupa não menos do que oito pavilhões da Mitra, prédio cedido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, cuja história remonta ao século 16. No espaço de pé direito alto e totalmente reformado, a luz natural dos pátios internos é a única que ilumina a exposição. Em dias ensolarados lisboetas, a visita torna-se ainda mais agradável. No atelier regular de Pedro Cabrita Reis trabalham seis pessoas. Para este Atelier na Mitra, chegaram a participar 25 profissionais, como montadores, assistentes, educadores, entre outros.

Também não é uma tradicional retrospectiva pelo fato declarado de que Pedro Cabrita Reis não está buscando um olhar externo, institucional, ou uma narrativa para esta exposição. As obras são expostas quase que aleatoriamente, sem cronologia ou temática, do jeito que lhe caía melhor. Não são acompanhadas de legenda ou texto curatorial. Os visitantes, então, são convidados para uma experiência informal, íntima e despojada. Não se sabe exatamente o que é obra finalizada, o que é experimentação. E é nesse lugar da vulnerabilidade de revelar o processo – e não apenas a obra final, “perfeita” – que torna esta exposição inspiradora. Entender que artistas no patamar de Pedro Cabrita Reis também rabiscam, erram, apagam e refazem.

Materiais industriais ou arquitetônicos sempre foram incorporados no seu trabalho. São marcantes as pinturas em que caixilhos de janelas fazem as vezes de moldura; as portas que são entradas e saídas para lugar nenhum; e as esculturas feitas com luz, à exemplo daquela em frente ao MAAT, no rio Tejo. A experimentação e a destreza com a qual ele faz pinturas é impressionante. Seus infinitos e coloridos autorretratos são divertidíssimos. Estão por todos os lados as telas ou fotografias em que ele cobre parcialmente com faixas de tinta. Também é bonito ver as várias pinturas de flores que Pedro Cabrita começou a fazer no seu primeiro atelier ainda na casa dos pais, em Campo de Ourique, depois que a mãe lhe disse que, já que fosse pintar, começasse pela flores – elas são tão lindas!

“O vetor mais importante desta equação é olhar para o que se fez. Fazer um balanço. Isso é realmente um exercício de introspecção”, conta o lisboeta de 67 anos. “Vivo aquilo o que eu chamaria de uma espécie de convulsão. Tomo este pulso, esta energia, esses momentos que interagem por todos os lados. E eu tenho certeza de que o olhar sobre isso irá iluminar aquilo o que eu vier fazer a seguir”.

Atelier, de Pedro Cabrita Reis, está patente na Mitra, em Marvila, Lisboa, até 28 de julho, de quinta-feira a domingo, das 14h às 18h.

 

Julia Flamingo não escreve ao abrigo do AO90.

Julia Flamingo é jornalista e pesquisadora especializada em arte contemporânea, nascida em São Paulo. É fundadora da plataforma digital Bigorna (@bigorna_art), que tem como missão usar linguagem simples e mediação para aproximar públicos da arte contemporânea. É redatora da rede global de curadores de arte Arpool.xyz, e curadora e escritora do grupo português Cultural Affairs. Julia foi jornalista de arte e crítica da revista Veja São Paulo e contribuiu para celebrados projetos culturais como o 4Cs, financiado pelo Programa Europa Criativa, SP-Arte e Bienal de São Paulo. É formada em jornalismo pela Universidade Mackenzie e em história pela PUC-SP, e tem mestrado em Estudos Culturais na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa.

Subscreva a nossa newsletter!


Aceito a Política de Privacidade

Assine a Umbigo

4 números > €34

(portes incluídos para Portugal)