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Uni Verso Plural, Irene Buarque na Fundação Carmona e Costa

É uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian (1973-75) que permite a Irene Buarque, nascida em São Paulo em 1943, escapar à violência da ditadura brasileira. Já em Portugal, vivencia a Revolução dos Cravos de 1974 e, integrada na comunidade artística local, decide aqui permanecer. A curiosidade insaciável pelo mundo ao seu redor resulta num trabalho que atravessa vários temas e disciplinas, como a fotografia, escultura, pintura, instalação ou cerâmica. Uni Verso Plural, na Fundação Carmona e Costa, oferece uma retrospetiva da carreira de Irene Buarque que reúne mais de 50 anos de criação artística. Desde as suas primeiras pinturas geométricas até às mais recentes abordagens inspiradas pela natureza, a exposição testemunha a capacidade da artista se reinventar.

As pinturas geométricas que a artista desenvolve no Brasil surgem logo na primeira sala, com a série SUB-JE-TO (1971). As obras exploram as potencialidades visuais das formas geométricas, criando jogos de ilusão que desafiam a estabilidade aparente das figuras. Nesta sala repleta de geometria, de figuras flutuantes que se sobrepõem e decompõem em grandes telas, tanto quadradas quanto triangulares, as obras já adivinham outros motivos que interessam à artista. As várias transparências e justaposições das figuras geométricas mostram janelas entreabertas que ainda estariam por vir. Por outro lado, a série de pinturas sobre diferentes fundos de madeira, e os cinzas que ajudam a construir as figuras, remetem para as árvores e pedras que nascerão depois.

O universo da janela emerge na sala seguinte. Enquanto exercício pictórico, Irene explora a janela de diversos modos, investigando a sua estrutura, as suas qualidades estéticas e as diferenças formais que registam distintas marcas culturais, sociais e económicas. O grande mural A Janela como Pintura (1973-1990) exibe uma série de fotografias que mostram o fascínio da artista pela janela. Irene captura-a infinitamente, mostrando as suas diversas formas, cores e estilos. Tal como um espião, a artista rouba informações e intimidades que as janelas guardam.

Sensatas e eternas, as pedras inundam o trabalho da artista. A exposição dedica uma sala inteira ao elemento “pedra”, enquanto ponto de partida para inúmeras possibilidades de representação e transformação. Brincando com o natural e o artificial, Irene Buarque constrói pedras de papel e pedras de cerâmica, que se misturam com pedras naturais. A habilidade alquímica da artista mostra-se na instalação Pedras Falsas (1993-2024), onde vemos 18 elementos em cerâmica que imitam o seu elemento natural. As árvores surgem também nesta sala através de uma projeção de vídeo que mostra as várias árvores fotografadas ao longo da sua vida. Tanto a pedra quanto a árvore são símbolos de resiliência, e revelam a profunda conexão entre o trabalho da artista e o mundo natural.

A última sala regressa novamente ao princípio da carreira artística de Irene Buarque, através da série Uniforme Multicôr (1971), onde a influência da Op Art se faz presente. Nestas serigrafias sobre superfícies circulares, a abstração geométrica explora a potencialidade da perceção, criando ilusões de movimento e profundidade. Também aqui se mostra o cartaz da primeira exposição individual da artista, realizada na Galeria Ars Móbile em São Paulo (abril de 1971).

Em Uni Verso Plural, cada sala revela um universo visual único, onde a curiosidade da artista se manifesta pela variedade dos meios e disciplinas que utiliza. Numa trajetória intrinsecamente ligada à procura pela liberdade, a obra de Irene Buarque transcende o tempo e o espaço. E ainda que invisível, é nas suas construções geométricas que tudo existe em simultâneo: as janelas, as pedras e as árvores.

A exposição está patente na Fundação Carmona e Costa até 14 de setembro de 2024.

Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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