Essay de Julius Heinemann na Jahn und Jahn
A palavra “ensaio” deriva do francês essayer, que significa “tentar”. Os ensaios são esboços poéticos sobre determinado tema, que contêm ideias e reflexões pessoais. Têm como característica a exploração subjetiva de um tema, sem a necessidade de provas empíricas. Em contraste com o estudo científico, que se baseia em dados e evidências, o ensaio valoriza a perspetiva e a expressão individual. É um espaço de liberdade criativa onde o autor pode divagar, questionar, e propor novas formas de pensar.
É sob esta noção que nasce a exposição Essay, do artista alemão Julius Heinemman. Nas paredes da Jahn und Jahn, o artista esboça a sua visão sobre o mundo com 64 aguarelas produzidas ao longo de dois anos. As obras, de formato intimista, apresentam motivos diversos que vão desde paisagens, fragmentos de ambientes domésticos, a objetos do quotidiano. É um ensaio visual subtil e delicado, que recorre à técnica da aguarela para explorar a luz, as suas sobreposições e profundidades.
As aguarelas que ocupam a primeira sala são as que ilustram motivos mais concretos. Na constelação de imagens há referências à figura humana através de silhuetas, mãos e rostos, ou uns óculos que pousam sobre o vazio; há ainda o doméstico através de vasos, chávenas e janelas, que lembram as aguarelas de Giorgio Morandi. São imagens serenas que evocam o quotidiano, que dele colhem momentos suspensos.
Na sala que se conecta ao corredor, vemos variações de uma mesma paisagem bucólica, umas vezes marcada por um sol, outras por uma lua. Estes dois elementos celestes assinalam o centro da composição, a noite e o dia, o quente e o frio. Dos contrastes nascem horizontes que tanto separam o céu do oceano, como os unem.
A abstração vai crescendo a cada núcleo de trabalhos, e na última sala as aguarelas destacam-se pela composição geométrica. O que nasce da observação de espaços vazios são rastos de luz que delimitam os limites de cada lugar. Desta perceção do vazio surgem composições que parecem demarcar a viagem da luz pelo espaço.
Apesar da serenidade de cada aguarela, a repetição dos motivos, ainda que diversa, salienta a urgência em marcar o gesto sobre o papel. Questionado sobre o seu processo, Julius contou-me que se guia pela intuição, mantendo sempre um estado de alerta. Semelhante a quem pega numa câmara fotográfica para captar um instante fugaz, Julius também se guia pela luz para assinalar aquilo que vê. A luz como elemento em constante mudança, que varia de tonalidade e intensidade à medida que o sol percorre o céu. Assim, as imagens que pinta refletem fenómenos efémeros, enraizados na sua observação do mundo. A repetição surge porque há imagens que pedem uma exploração mais profunda, fazendo nascer aguarelas que exploram a mesma ideia, mas que olham para ela sob um ângulo ou tempo diferentes.
Essay é um ensaio sobre a fugacidade da luz e do tempo, que explora uma luz específica: aquela que atravessa as janelas, que ilumina o interior dos espaços e dos objetos que neles habitam. É uma meditação visual sobre as subtilezas da luz e da forma.
Paralelamente a Essay, acontece uma outra exposição de Julius Heinemann na Casa da Cerca em Almada, marcada pela instalação site–specific O Espelho, que acontece no exterior do edifício, atualmente em remodelação. Nas palavras do artista, “enquanto que a exposição na Jahn und Jahn é uma reflexão sobre a subjetividade e a visão sobre o mundo exterior, a instalação na Casa da Cerca consiste numa reflexão na direção oposta: uma projeção do interior para o exterior.”
Essay de Julius Heinemman está patente na Jahn und Jahn até 29 de junho de 2024.