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Algaravia

“A dúvida é escrever. Portanto, é o escritor também. E com o escritor o mundo inteiro escreve”[1]. Talvez essa afirmação de Marguerite Duras (1914 – 1996) em Escrever (1993) sirva também para outras linguagens, como a pintura e o desenho. Imagino que, quando a artista carioca Andy Villela pintava as telas que estão expostas em Algaravia, exposição individual que está patente até o dia 22 de junho na galeria Casa Triângulo em São Paulo, o mundo inteiro pintava também. Algaravia é uma palavra que reside num tumulto de vozes e ações que, de tão confuso, se torna incompreensível. E continuo este texto me permitindo a incerteza do ato de escrever sobre algo que foge de uma definição.

Ao ver a variedade de técnicas e gestos presentes nas pinturas de Andy, pensei na linearidade como uma estrutura frágil diante da multiplicidade de perspetivas que a vida nos oferece. Nas composições das pinturas apresentadas pela artista em Algaravia, é estabelecido um jogo entre representação e abstração que ora aparecem com pinceladas de cores vibrantes, ora opacas e nebulosas. A preocupação em fazer “algum sentido” parece se diluir no conjunto de imagens criadas, tornando esta a essência da exposição.

Num relato escrito pela artista e narrado pela cantora e compositora brasileira Letrux, Andy diz que sua obra envolve a tríade corpo, mente e espírito, onde o corpo aparece através da superfície, a mente por meio das decisões e elaborações, e o espírito por intermédio das formas. O que indica um processo de descobrimento e redescobrimento de si. A materialidade feita de luz e sombra incorpora a dúvida e a incerteza em suas composições. Ainda neste relato, Andy declara a sua similaridade com tantos outros artistas. Isto deve-se ao facto de que artistas exploram temas parecidos, porém os tocam de maneiras diferentes, trazendo ao mundo novas interpretações sobre os mesmos assuntos, colocando em evidência a falta de respostas e inaugurando a criação de novas perguntas.

Em articulação ao título da exposição, com intuito de ampliar a sua conceção, foram reunidos cinco textos críticos, de cinco curadores diferentes: Carollina Lauriano, Clarissa Diniz, Lucas Albuquerque, Lorraine Mendes e Victor Gorgulho, que podem ser lidos no site da galeria.

Neste emaranhado que é Algaravia, a primeira conexão que estabeleci quando adentrei ao espaço da galeria foi com o movimento de vanguarda surrealista do século XX, em especial ao misticismo da espanhola Remedios Varo (1908 – 1963) e também a inglesa Leonora Carrington (1917 – 2011), ambas interessadas pelo encanto do inconsciente e suas fantasias. Andy Villela, porém, em seus gestos singulares, abarca também outras camadas ligadas ao contemporâneo, e é possível conectar-se com diversos outros artistas que pesquisam sobre fragmento, transformação, caos e subjetividade. E o que aqui está escrito se aglutina a este tumulto, como uma tentativa de lamber também a superfície doce e rara do céu que está acima de nós.[2]

 

[1] DURAS, Marguerite. Escrever. Tradução: Luciene Guimarães de Oliveira. Belo Horizonte: Relicário, 2021.
[2] Citação retirada do texto curatorial escrito por Victor Gorgulho sobre Algaravia.

Ian Gavião é artista plástico, curador independente e educador de arte. Licenciado em Artes Plásticas com habilitação em Escultura e Fotografia pela Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduado em Curadoria de Arte pela Universidade Nova de Lisboa (FCSH). Apresentou duas exposições individuais, na Casa Fiat de Cultura (2022) e no Sesi Minas (2021), na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Onde também idealizou o projeto de curadoria independente Xenon. Participou em mostras coletivas e residências artísticas nas cidades de Belo Horizonte, São Paulo e Lisboa, onde vive e trabalha atualmente.

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