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Marina Tabassum. Materiais, Movimentos e Arquitetura no Bangladesh

Marina Tabassum, arquiteta, investigadora e pedagoga originária do Bangladesh, utiliza a arquitetura e o design como instrumentos de mudança, desenvolvendo uma prática marcada por um forte envolvimento social. O lugar e o contexto onde intervém são determinantes para o seu trabalho profundamente consciente das suas questões ambientais, culturais e históricas específicas.

Presente na Bienal de Veneza em 2018, ano em que realizou uma conferência em Lisboa, e vencedora do prémio Aga Khan em 2016, o seu trabalho é apresentado pela primeira vez em Portugal em formato de exposição. Marina Tabassum. Materiais, Movimentos e Arquitetura no Bangladesh, com curadoria de Vera Simone Bader & André Tavares, transitou do Architekturmuseum Der Tum em Munique para o Museu de Arte Contemporânea/Centro Cultural de Belém (MAC/CCB) e é aqui apresentada segundo uma estrutura diferente.

A mostra do trabalho desenvolvido pela arquiteta desde 1995 revela uma prática inspiradora e exemplar no modo como opera em conjunto com comunidades locais, e com o envolvimento dos seus estudantes, no sentido de resolver problemas específicos com um impacto global. É estabelecido um profundo compromisso com o papel social e cultural da arquitetura, assistindo-se à construção de um sentimento coletivo de pertença projeto a projeto.

Como refere o curador André Tavares, “o trabalho da Marina demonstra como a arquitetura pode ser um modo de pensar, de criar ideias, de criar soluções a partir de materiais que transitam da terra para a construção, a partir de pessoas para pessoas, de mudanças de lugar e do movimento das pessoas e das ideias”.

A exposição inicia-se com uma instalação que representa os cursos de água que caracterizam a paisagem do Bangladesh. São mais de 700 os rios que atravessam o país e mudam constantemente o seu percurso, para além dos lagos, barragens, canais e zonas húmidas, oriundos de escorrências provenientes dos Himalaias. Marina Tabassum evidencia a “paisagem aquática” que desenha “o enorme delta” que constitui o seu país, um terço formado por lama, e o impacto da água e da mudança dos seus cursos, na arquitetura daquele território.

Khudi Bari é uma estrutura modular em bambu e aço que configura uma casa concebida para a população que vive nos bancos de areia do rio Meghna. Uma vez que a localização e configuração destes bancos de areia se vai alterando em função do leito do rio, esta construção é facilmente montada e desmontada e consequentemente movida em função de inundações. Cada abrigo custa à volta de 450€ e vem com um manual de instruções para a sua construção. Já foram instaladas diversas unidades, com um impacto significativo na vida daquelas comunidades.

O seu desenho foi concebido em conjunto com a população, à semelhança do projeto Panigram Resort que procurou restituir “a sabedoria da terra” através de uma construção inteiramente em terra levada a cabo por pessoas de aldeias vizinhas e da organização de oficinas de artesanato e jardinagem assentes na consciencialização ambiental, de saúde e higiene. Um conjunto de iniciativas que promovem um relacionamento entre a comunidade local e o resort privado e que acabou por dar origem à instalação Wisdom of the Land, concebida para a Bienal de Veneza

Como estes, Mariana Tabassum desenvolveu outros projetos de grande impacto social, destacando-se os Centros de Agregação instalados na região fronteiriça de Cox’s Bazar, que acolheu mais de um milhão de Rohingyas oriundos do Myanmar em 2017. O projeto procurou dar oportunidade às mulheres agricultoras de vender os seus produtos, oferecendo-lhes um espaço de mercado e um espaço de trabalho.

Ou o novo centro comunitário liderado por mulheres instalado no Camp 8E, Kutupalong, Ukhiya, um dos maiores campos de refugiados do mundo, que veio substituir o anterior, destruído por um incêndio que ocorreu em fevereiro de 2020 em pleno período de pandemia. Na construção de ambos os projetos, foi utilizado, uma vez mais, o sistema estrutural Khudi Bari.

O uso de materiais locais é imperativo, procurando estabelecer uma simbiose entre a obra construída e a natureza, e restabelecer a relação entre o ser humano e a natureza, “uma relação que marca a vida das comunidades nas zonas rurais que se tem vindo a perder com a vida das cidades, dependente de ares condicionados e bens artificiais”, refere Marina Tabassum.

A inovação é assertivamente conjugada com a escassez de recursos e as restrições orçamentais, sendo a arquitetura utilizada como ferramenta ativa para a abordagem de questões atuais prementes, no sentido de provocar mudanças e impactar o mundo. Através de pequenas intervenções são possibilitadas grandes transformações. É precisamente “como é que nós, arquitetos, podemos tornar-nos ferramentas de mudança” que Marina Tabassum pretente transmitir aos seus alunos “ao expô-los às necessidades deprimentes que o mundo tem”, envolvendo-os no trabalho com as comunidades locais no desenho de soluções para essas necessidades.

O envolvimento social estende-se à própria exposição cujos textos figuram na língua bengali, para além do português e do inglês, com o intuito de integrar a comunidade local do Bangladesh no público da exposição.

Para além destes, a mostra integra diversos projetos localizados em Daca e na sua periferia, tais como o Museu da Independência do Bangladesh, uma série de edifícios de habitação, mosteiros, entre os quais o Bait Ur Rouf Jame, que concedeu à arquiteta o Prémio Aga Kahn em 2016; o memorial a Hamidur Rahman, lugar onde foi escrita a primeira Constituição do Bangladesh; e até experiências de novos materiais, como um pavimento feito com berlindes, concebido para um edifício de escritórios. A maioria destes edifícios são construídos em tijolo, material em destaque na exposição, e desenhados de modo a tirar o máximo partido da ventilação e luz naturais enquanto elementos qualificadores do espaço em detrimento de meios artificiais.

Uma exposição que lança questões urgentes acerca do papel social da Arquitetura e do papel do arquiteto enquanto agente de transformação. Marina Tabassum. Materiais, Movimentos e Arquitetura no Bangladesh, poderá ser vista no Museu de Arte Contemporânea/Centro Cultural de Belém (MAC/CCB) até 22 de setembro.

Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.

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