Cooperativa dos Pedreiros: José Pedro Croft na Galeria Nuno Centeno
José Pedro Croft (1957, Porto), um dos artistas mais reconhecidos da arte visual portuguesa, sobretudo pelas suas esculturas e pinturas geométricas, tem vindo a desenvolver uma prática artística com o foco na arquitetura, especificamente na composição do espaço formal e na sua memória. Expõe pela primeira vez uma série de esculturas e desenhos circulares na Galeria Nuno Centeno, localizada na Cooperativa dos Pedreiros, encetando, assim, um diálogo entre a arquitetura brutalista do lugar, bem como evidenciando o espaço das antigas oficinas e conferindo uma sensação de ritmo, de corporeidade e de profundidade simbólica e relacional com o local, que remete para o minimalismo. Não descura, ainda, a ligação com a história da Cooperativa, fundada em 1914, por um grupo de operários especializados no trabalho da pedra, cuja sede foi construída em granito, entre 1937 e 1953, na pedreira onde extraíam o material de construção, com assinatura dos arquitetos Maria José Marques da Silva e David Moreira da Silva.
O antropólogo, poeta e ensaísta Luís Quintais, em Educação pela pedra (2024) – texto que acompanha a exposição –, sobre a prática do autor, escreve: “Lutar com a substância do tempo e da matéria é, certamente, um dos grandes desígnios do artista na sua multiplicidade de registos e meios que têm por eixos fundamentais a escultura, a gravura e o desenho. Croft parece particularmente preocupado com uma arte que se confronta com a natureza do tempo, sendo, nesse domínio, a materialidade de que se faz o mundo um dos portais de acesso à natureza do tempo.” De facto, na exposição vamos deslindando várias linhas temporais, visto a memória do lugar ser uma das substâncias com que o autor dá forma à sua prática artística – neste caso, a da Cooperativa dos Pedreiros, representada pela pedra que dá vida à instituição.
Primeira e genericamente, o tempo geológico, da pedra, enquanto fragmento solto da rocha, formada por minerais, da qual a camada externa sólida da Terra é constituída. O tempo da matéria-prima dos escultores e dos trabalhadores ao longo dos séculos. O tempo biográfico no trabalho de Croft com a pedra, nos seus anos de formação com o escultor João Cutileiro. Depois, o tempo da experiência estética, resultado das peças do artista e da sua disposição específica no espaço expositivo.
Para além da memória do lugar e das várias camadas temporais que se vão desenlaçando, realçamos as esculturas e desenhos circulares que compõem o espaço. Não sendo por acaso, a escolha do círculo, para dar forma ao tempo. Uma figura geométrica com uma grande carga simbólica nesse sentido.
Na galeria, por entre vários círculos – em gravuras desenhadas a guache, verniz e tinta-da-china – com várias cores e tamanhos, desalinhados, alinhados, ou interrompidos, somos pontuados por vários ritmos conferidos pelas diversas manchas cromáticas e linhas de diferentes espessuras, frequências, expressividades ou alinhamentos. Nos círculos tridimensionais – esculturas em ferro pintado –, o mesmo ocorre, como se fosse música improvisada, com sons agudos e graves, sonantes e dissonantes, mas simultaneamente harmoniosos, possantes e disruptivos. Contudo, há formas que entoam uma outra vibração, como a escultura em ferro e espelho, que nos devolve a nossa imagem integrante no espaço da composição. Ou peças que conferem um outro impulso, caso da escultura retangular em ferro e vidro, que parece estar a ser engolida pelo chão. Frágil, mas robusta ao mesmo tempo. Por último, formas que renovam a intensidade do percurso, um novo senso de espaço e da nossa relação corpórea com a obra, como a grande escultura em ferro pintado, composta por dois semicírculos, com barras verticais, quase entrelaçados, dispostos no chão, dando uma espécie de acorde final, mas em ouroboros infinito.
Cooperativa dos Pedreiros de José Pedro Croft estará patente na Galeria Nuno Centeno até 20 de junho de 2024.