Hong Kong: o dragão asiático ainda cospe fogo
Conseguem imaginar Alicia Keys e Jay-Z a cantar Empire State of Mind usando Hong Kong em vez de Nova Iorque como tema poético? Soaria mais ou menos assim (e, de qualquer forma, faria todo o sentido): In Hong Kong / Concrete jungle where dreams are made of / There’s nothing you can’t do / Now you’re in Hong Kong / These streets will make you feel brand new / Big lights will inspire you / Let’s hear it for Hong Kong, Hong Kong / Hong Kong… Cidade-ponte entre o leste e o oeste do mundo, Hong Kong é um dragão que nunca dorme e vive animado pelos negócios. Centro financeiro global, abre-se às novidades do mundo, mantendo, porém, uma fortíssima identidade local, imediatamente percetível mal nos afastamos alguns metros das suas avenidas principais.
Crise? Que crise? Aqui não se fala disso; as convulsões da China continental, como por exemplo a queda do colosso imobiliário Evergrande, parecem não ter atingido a cidade, que ainda vive protegida pelo seu estatuto de região administrativa especial. Quem entendeu perfeitamente o ambiente internacional e febril que aqui se respira – vivíssimo, mesmo após o fim da época do protetorado inglês, em 1997 – foi o grupo suíço MCH, cujas atividades envolvem também a Art Basel, a maior feira de arte do mundo, levada para Hong Kong em 2013. A edição deste ano, aliás, recuperou plenamente os números pré-pandémicos: vendas milionárias, 75 mil visitantes em quatro dias de evento e mais de 200 galerias participantes. Um recorde alcançado, igualmente, graças à própria atratividade da cidade, como explicou Vincenzo de Bellis, diretor-geral das quatro feiras que têm lugar em Miami, Basileia, Paris e, naturalmente, Hong Kong.
Mas de que forma pode uma cidade contribuir para o sucesso da sua feira? Proporcionando pontos de referência no mundo da arte. O West Kowloon, por exemplo, é o maior parque cultural da Ásia, tendo aberto em 2021, em plena pandemia, enquanto a cidade chinesa estava fechada ao resto do mundo, como que a emitir uma mensagem para o exterior: “Esperem, estamos a preparar o futuro”. Entre as instituições do WestK estão o Xiqu Center, dedicado à música e ao teatro tradicional; o Palace Museum, onde em 2025 terá lugar a primeira exposição de Pablo Picasso na China; e o magnífico Museu M+, cujo projeto nasceu em 2012 para hospedar a incrível coleção de arte contemporânea chinesa de Uli Sigg, embaixador da Suíça na Mongólia, Coreia do Norte e República Popular da China na década de 1990. Contando com mais de 1500 peças de 350 artistas, é considerado o mais completo e interessante acervo deste tipo, incluindo obras de Yue Minjun, Ai Weiwei e Liu Wei, entre os artistas mais reconhecidos colecionados por Sigg.
Outro centro cultural que nasceu resgatando os espaços de um velho quartel militar na zona Central, é o Tai Kwun Contemporary: aí se encontram a galeria MASSIMODECARLO e o centro JC Contemporary, onde está em cartaz a exposição de Sarah Morris Who is Who, cuja protagonista principal é a longa-metragem ETC, produzida pelo próprio Tai Kwun, juntamente com o M+. Gravado na primavera de 2023, nas semanas seguintes à reabertura de Hong Kong, ETC é um filme-retrato sensacional da cidade: hipnótico, lírico, cativante, capta nas suas imagens toda a magia da metrópole chinesa, acompanhada pela banda sonora criada pelo artista Liam Gillick.
Além dos espaços institucionais, durante esta temporada Hong Kong está a oferecer – de forma gratuita – a todos os públicos, dois festivais de arte ambiental: ArtHarbour e HKWalls. Com a grande instalação continuous, assinada pelo grupo teamLab, o Tamara Park, localizado mesmo à frente da baía, transformou-se num campo onde ovos gigantes e luminosos podem ser movidos por adultos e crianças, criando uma experiência interativa tendo por fundo uma paisagem iridescente; já HKWalls utiliza as fachadas do Tsim Sha Tsui Center, onde todas as noites se repetem as cinco projeções dos artistas internacionais Pavel Mrkus, Kristopher Ho & Andy Lau, Bond Truluv, Frédéric Bussière e Lousy, metamorfoseando os prédios com uma mescla de perspetivas arquitetónicas e efeitos de fogos de artifício.
O que parece faltar neste lugar é, provavelmente, uma maior atenção às possibilidades de ter um planeta um pouco menos poluído ou até um pouco mais sustentável, mas o crescimento não perdoa: Hong Kong continua a ser uma cidade extremamente global, cujos esforços são, de facto, expressos na vontade de aumentar a sua potência e atratividade comercial e cultural, inclusiva e aberta.
Não é por acaso que muitas galerias norte-americanas se têm estabelecido aqui nos últimos anos, propondo “valores seguros”: David Zwirner apresenta uma exposição individual de Wolfgang Tillmans que, não pondo de todo em causa o valor do fotógrafo alemão, certamente não representa novidade nenhuma; a Hauser & Wirth mostra a nova produção – totalmente em preto e branco – do pintor Glenn Ligon, na continuação do seu estilo; enquanto a PACE se foca na pintora Kylie Manning, cujos tons nórdicos nos levam a uma ideia de vendaval.
Mas podem ficar tranquilos: após a tempestade dos últimos tempos, o grande navio chamado Hong Kong já deixou o porto para voltar a navegar no mar da modernidade, vigoroso e sem medo das adversidades. Este é o ano do dragão.