Em Herbário – Locus Amoenus, as fronteiras – se as há – são de vidro
No Jardim da Estrela, jaz a casa que acolhe a exposição coletiva Herbário – Locus Amoenus. Integrada no projeto Um Teatro em Cada Bairro, a Casa do Jardim da Estrela tem uma proposta simples: oferecer uma programação cultural diretamente relacionada com o meio em que se insere. É este exercício de exploração territorial, de observação e de documentação da biodiversidade que lança o mote para a exposição. Como uma celebração dos jardins urbanos – oásis verdes que brotam entre o caos cosmopolita – Herbário – Locus Amoenus não é senão um desdobramento do próprio título.
Da botânica, herdamos os herbários, coleções de plantas colhidas, prensadas e rigorosamente classificadas. Da botânica, herdamos também esta exposição. Com obras de Eugénio Ampudia, Ana Fonseca, Rodrigo Bettencourt da Câmara, Sílvio Rosado e Teresa Palma Rodrigues, aquilo que vemos é, afinal, uma tentativa de construir um herbário-vivo. Por outra via, aquilo que vemos é uma tentativa de desconstruir o que entendemos por “herbário”. As páginas dão lugar a estruturas de madeira com fotografias e desenhos suspensos. As obras não são colhidas da terra, mas bebem dela uma delicadeza suis generis. O traço é leve, as cores translúcidas e as esculturas organicamente inacabadas. E em tudo isto – sem exceção – há resquícios de uma relação simbiótica. Arte e natureza num diálogo que trespassa as próprias obras; num jogo de afetação mútua potenciado pela arquitetura do espaço.
Em Herbário – Locus Amoenus, o silêncio é cantado pelos pássaros e o vazio é preenchido pelos raios de sol que aquecem o soalho. Como uma emolduração de um mundo-vivo, as janelas e as vitrines operam um gesto de interiorização: um trazer para dentro o que está lá fora. Vejamos. No lado esquerdo da sala, junto à janela, encontramos esculturas de insetos dentro de uma caixa de vidro com o fundo espelhado. No seu interior, vemos as obras poisadas sobre a vegetação refletida da janela. As esculturas metamorfoseiam-se consoante o reflexo e assumem os contornos de uma criatura viva mutável. Trata-se, pois, de um espelhamento que encapsula na obra aquilo que lhe é exterior.
Mas não será este gesto indissociável da própria vitrine? Na verdade, impele pensá-la como uma fac-símile do Jardim da Estrela, uma espécie de materialização e de interiorização das suas dinâmicas. Aquilo que está em causa é a fragilidade inerente às suas paredes de vidro e, simultaneamente, a sua constituição como um espaço de refúgio. À semelhança de uma vitrine, este jardim é um observatório dentro da cidade de Lisboa: um Locus amoenus (em latim, lugar ameno) com um micro-ecossistema que se desenvolve no seu interior. As suas fronteiras – se as há – são também elas de vidro. E, se até então escrevo sobre transparências, faço-o porque, afinal, é de permeabilidade que esta exposição se trata.
Promovido pela Associação Número – Arte e Cultura, com direção artística de D. André de Quiroga, Herbário – Locus Amoenus está patente na Casa do Jardim da Estrela – Um Teatro em Cada Bairro até 30 de junho de 2024.