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Entre oceanos, os fluxos da ARCOmadrid 2024

Foi num domingo, 10 de março, que a 43.ª ARCOmadrid, a mais tradicional feira de arte contemporânea do Sul europeu, fechou as portas. Numa edição que homenageia as Caraíbas – depois de ter-se dedicado ao Mediterrâneo em 2023 –, 205 galerias partiram de 36 países com destino à capital espanhola, epicentro de vendas e descobertas artísticas junto ao público geral e profissional durante os cinco dias de evento. Pelos dois pavilhões do IFEMA Madrid, entidade que organiza e acolhe a ARCO na cidade, passaram mais de 95 mil pessoas e cerca de 400 colecionadores internacionais convidados. A Umbigo esteve presente como expositora na área das revistas e publicações de arte pela 7.ª vez consecutiva.

O saldo comercial parece ser positivo, com novas aquisições institucionais e corporativas pela Fundación ARCO – que expande a sua coleção em 8 obras, dentre as quais uma da portuguesa Ana Jotta, pela ProjecteSD, e uma outra da espanhola Belén Uriel, pela galeria lisboeta Madragoa –, o Museo Reina Sofía, o Museo Centro de Arte Dos de Mayo, a Câmara Municipal de Madrid, Fundación María Cristina Masaveu Peterson, Fundación Helga de Alvear, Fundación María José Jove, entre outras. Enquanto lugar revelador de tendências e caminhos estéticos do presente, o saldo parece indicar uma inclinação à pintura e uma particular atenção à arte argentina, contemplada nos prémios Lexus para o Melhor Stand, atribuído à W – Gallery; Aquisição ARCOmadrid, que distinguiu o argentino Tomás Saraceno, ao lado do mexicano Abraham González Pacheco; e Opening, que, dentro do setor dedicado ao jovem galerismo, destacou os espaços Remota e Piedras. Nesta última, diga-se de passagem, merece distinção o trabalho das duas jovens artistas em exposição, Clara Esborraz e Carla Grunauer, cujas peças – em desenho e escultura, respetivamente – convivem em perfeita tensão, convidando-nos a experimentar uma atmosfera estranha, entre o sombrio e o vibrante, através das formas distorcidas e retorcidas que apresentam.

É verdade que criações e instituições latinoamericanas ocupam, nos últimos anos, um espaço cada vez mais central na ARCOmadrid. Desta vez, são latinas quase 30% das galerias não-espanholas presentes na feira, algumas das quais aproximadas na recorrente seção especial dedicada ao continente, intitulada Nunca o mesmo. Arte latinoamericana. Num corredor assinalado pela cor vermelha, a montra comissariada por José Esparza Chong Cuy e Manuela Moscoso selecionou instituições e artistas na dianteira da discussão e experimentação estético-política global. É o caso de Denilson Baniwa (Brasil, A Gentil Carioca), um dos três curadores indígenas responsáveis pela curadoria do Pavilhão Brasileiro, reivindicado como Hãhãwpuá, na Bienal de Veneza deste ano, e autor de obras sustentáveis e questionadoras da condição do ser indígena no Brasil e no mundo, hoje; ou, ainda, de Luis Enrique Zela-Koort (Peru, N.A.S.A.L.), vencedor do Prémio de Arte e Inovação MAC Lima 2022, com um instigante trabalho que mistura técnicas e saberes da cerâmica, da digitalização, da bioarte e da cibercultura. A lista continua com Nohemí Pérez (Colômbia, Instituto de Visión), Rosario Zorraquín (Argentina, Isla Flotante), Daiara Tukano (Brasil, Millan e Richard Saltoun Gallery em representação conjunta), Moisés Barrios (Guatemala, EXTRA), Amalia Pica (Argentina, Proyectos Ultravioleta), Juraci Dórea (Brasil, Jaqueline Martins), Abraham González Pacheco (México, Campeche), Andres Piña (Argentina, Sendros) e Violeta Quispe Yupari (Peru, Vigil Gonzales) – todos nomes de relevância no mapa heterogéneo e desafiante das artes contemporâneas provenientes do território, e que, para além de uma perspetiva crítica sobre o que se espera dos discursos produzidos no Sul global, têm impulsionado leituras originais e situadas sobre identidade, ausência e luta.

No programa A margem, a maré, a corrente: um Caribe oceânico, com curadoria de Carla Acevedo-Yates e Sara Hermann Morera, um panorama fragmentado da América Caribenha inclui obras de artistas como a porto-riquenha Gabriella Torres-Ferrer, o dominicano Freddy Rodríguez, a cubana Quisqueya Henríquez ou o haitiano Didier William. Com um desenho expositivo que reproduz a experiência e a geografia insulares, sem núcleos, rizomático e com múltiplas entradas, a seção principal da feira traz-nos peças de origens, estilos e suportes diversos, que confluem num mosaico de pensamentos sobre o viver e o criar nas e a partir das margens, das águas, dos tremores. A temática circula por muitas outras instituições madrilenas, como La Casa Encendida ou a Fundación Juan March, que também vêm trazendo ao seus centros programáticos questões referentes aos conflitos coloniais e pós-coloniais entre Espanha e as Américas.

Do outro lado do Atlântico, mas logo ao lado do país hospitaleiro, Portugal é bem representado pelas galerias 3+1 Arte Contemporânea, Balcony, Bruno Múrias, Carlos Carvalho, Cristina Guerra Contemporary Art, Filomena Soares, Foco, Francisco Fino, Jahn und Jahn, Kubikgallery, Lehmann + Silva, Madragoa, Miguel Nabinho, Monitor, Pedro Cera e Vera Cortês, correspondendo a quase um quarto dos expositores internacionais. Dentre estas, vale destacar a curadoria e apresentação cuidadas das lisboetas 3+1 Arte Contemporânea, com um stand em tons pastéis e obras de Adriana Proganó, Carlos Noronha Feio, Inês Brites, Juan Tessi e Tiago Baptista; Monitor, com a constelação telúrica de Maja Escher a preencher a parede principal, assim como trabalhos de Lucia Cantò, Elisa Montessori e Eugénia Mussa; e Vera Cortês, com um passeio acurado pelas abstrações de Carlos Bunga, Ignasi Aballí, Joana Escoval, João Louro, João Pimenta Gomes e Susanne S. D. Themlitz. Portugal esteve ainda em evidência na atribuição dos prémios “A” de Colecionismo da ARCO, que reconheceu o papel fundamental da Fundação PLMJ para a valorização da arte contemporânea, atribuindo-lhe o prémio de Coleção Corporativa Internacional 2024.

Os dias de ARCOmadrid foram povoados, ainda, por uma série de conferências, debates e performances paralelas, aliados a um programa de inaugurações e percursos guiados por várias galerias e museus da cidade. De volta à capital portuguesa, começam, agora, as expectativas pela ARCOlisboa, entre os dias 23 e 26 de maio.

Laila Algaves Nuñez (Rio de Janeiro, 1997) é investigadora independente, escritora e gestora de projetos em comunicação cultural, interessada particularmente pelos estudos de futuro desenvolvidos na filosofia e nas artes, bem como pelas contribuições transfeministas para a imaginação e o pensamento social e ecológico. Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Cinema (PUC-Rio) e mestre em Estética e Estudos Artísticos (NOVA FCSH), colabora profissionalmente com iniciativas e instituições nacionais e internacionais, como a BoCA - Biennial of Contemporary Arts, o Futurama - Ecossistema Cultural e Artístico do Baixo Alentejo e, enquanto assistente de produção e criação de Rita Natálio, a Terra Batida.

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