Top

A magia cor de terra de Maja Escher

A magia, associada a uma conexão com a natureza e a uma sabedoria não escrita, remonta as suas origens ocidentais à época medieval. Os conhecimentos medicinais fundem-se com interações mágicas para evitar demónios e maus espíritos e perduram atualmente naquilo que nomeamos como superstição. A superstição não é senão a transmissão de um saber antigo que o catolicismo tentou em vão apagar. Muitas vezes pensada como de matriz africana, a feitiçaria europeia tem os seus próprios medos e liturgias; mantém-se como parte do imaginário coletivo popular de alguns, porventura os das comunidades na margem.

Esta magia medieval é simbolizada, sobretudo, pela figura da bruxa; não a figura maligna dos desenhos animados, mas uma mística curandeira, depois diabolizada na caça às bruxas. Silvia Federici define, n’O Calibã e a Bruxa, este fenómeno de perseguição genderizada como uma entre várias repressões – com realce para o colonialismo – necessárias para a construção do capitalismo, sem grandes resistências. Além de se isolarem saberes e heranças de comunidades, elimina-se a mulher enquanto figura de autoridade, juntamente com as forças da natureza com quem dialoga, criando-se, simultaneamente, a submissão do feminino e o discurso de uma natureza enquanto espaço de matéria-prima na relação com o humano, sem vida. Desaparece a interação com os ecossistemas, gera-se a paisagem, uma forma estática do natural.

É, portanto, adequado, tentar na modernidade reunir o ser humano com o reino de onde provém, seguindo Ailton Krenak no seu Ideias para adiar o fim do mundo, ao adicionar a esta relação o peso das alterações climáticas como a prova da insustentabilidade de uma relação hierárquica entre ambos. Altura, portanto, de recuperar em tons de terra o que é exterior à era do capitalismo.

Maja Escher, partindo de um universo alentejano e realçando a importância da cerâmica, tem vindo a trabalhar os elementos naturais na cor, nos materiais e nos temas, numa homenagem ao que pretende tratar. A simplificação da linguagem simbólica, aproximando-se até de uma representação infantil, está presente em obras como descarga eléctrica nuvem-ar (2024), recriando uma tempestade, ou em Urplanze (2024), mostrando árvores que despontam. O expoente máximo de uma ligação ao mundo animal é ave mãe (2024), uma espécie de tenda construída com tecidos tingidos, presos por barro, cana ou até uma fechadura, um casulo que é necessário atravessar para aceder à segunda parte da exposição. A obra planta vertebral (2024) une o universo das plantas a um universo antropomórfico, associando a botânica a uma coluna vertebral.

Uma segunda dimensão da exposição é o molde em barro de pequenas figuras que lembram hieróglifos, sendo a civilização egípcia também ela recheada de magia. Recupera-se, assim, a ideia mística da palavra, do símbolo, como criação: ao ser enunciada, pode trazer à realidade o que evoca. Em raio nuvem-terra (2024), como em Stam, Ast, Zweig, Bogen, Stengel Netz (2024), essa linguagem, desconhecida mas intuitiva na representação, apresenta-se-nos para transmitir uma qualquer oração, dádiva ou oferenda.

Recuemos ao título da exposição: Pedras de raio. Diz-nos a folha de sala que estas partiam de crenças de pedras nascidas de tempestades, vistas como “presentes celestiais”, podendo ser usadas para proteger as casas de catástrofes atmosféricas. Está lançado o mote: buscam-se amuletos, materializações desta magia que paira, sacralizando objetos simples, rastreando origens.

Inês Almeida (Lisboa, 1993) é licenciada em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, é mestre e doutoranda em História Contemporânea pela mesma instituição. Recentemente terminou a Pós-Graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do colectivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

Subscreva a nossa newsletter!


Aceito a Política de Privacidade

Assine a Umbigo

4 números > €34

(portes incluídos para Portugal)