Percepções e Movimentos: exposição coletiva na Galeria Presença
Percepções e Movimentos, com curadoria de Constança Babo, patente na Galeria Presença, parte da Arte Cinética e da Arte Ótica – correntes modernistas da vanguarda de meados do século XX – trazendo à contemporaneidade as suas noções e pressupostos estéticos, num diálogo entre obras de Angelika Huber, Diogo Pimentão, Isaque Pinheiro, Roland Fischer, Marisa Ferreira, David Magán, Lia Chaia e Carlos Mensil. Através de uma montagem cuidada, coerente e depurada, a exposição foca-se nas questões da oticidade, do movimento, do espaço, da forma e da cor, também recordando o pensamento e as práticas artísticas minimalistas.
A curadora, no texto de sala, argumenta: “A exposição Percepções e Movimentos emerge, portanto, do intuito de convocar e, de certo modo, reativar os territórios de ação e expressão desenvolvidos e partilhados pela op art e a kinetic art. Reconhece-se, contudo, a temporalidade histórica e as particularidades formais, visuais e plásticas de ambas as correntes artísticas. Por conseguinte, embora o projeto expositivo as adote enquanto ponto de partida e background, não se circunscreve às suas especificidades. Propõe-se, antes, um discurso e uma abordagem amplos e atuais.”
Pressuposto, de acordo com a História da Arte ocidental, por volta dos anos 1960, alguns artistas, influenciados pelas vanguardas da primeira metade do século XX, como o dadaísmo, o futurismo, o construtivismo, ou o abstracionismo, assim como as ideias da Escola Bauhaus, voltam-se para uma noção de diálogo entre arte e tecnologia. A kinetic art, ou arte cinética, foi uma corrente artística da segunda metade do século anterior, desenvolvida por um grupo de artistas, no contexto da exposição O Movimento (1955) na Galeria Denise René em Paris. Inspirados pelas investigações na área da psicologia, pela Teoria da Relatividade (1905-1915) de Albert Einstein, ou pelo estudo Fenomenologia da Percepção (1945) de Maurice Merleau-Ponty, o seu princípio criativo era enfatizar o movimento da água, do vento, da luz, ou do magnetismo. CYSP 1 (1956) de Nicolas Schöffer, Homage to New York (fragment) (1960) de Jean Tinguely, ou Ballet de Luz Automática (1962) de Otto Piene distinguem-se pelo modo como estendem as peças no espaço e no tempo, introduzindo uma nova dimensão à experiência do espectador, mas também pela forma como incorporam movimento mecânico, permitindo uma analogia entre o corpo humano e a máquina. A op art, ou arte ótica, teve um maior desenvolvimento na pintura, meio pelo qual os artistas faziam formas puramente geométricas, para criar efeitos óticos, inspirados na Teoria das Cores (1810) de Goethe, na psicologia da perceção de Merleau-Ponty, mas também no pontilhismo de Georges Seurat, nas pinturas de Robert e Sonia Delaunay, e nas de Josef Albers. Vega 200 (1968) de Victor Vasarely, Corrente (1964) de Bridget Riley, ou Grande Parede Panorâmica (1966) de Jesús Rafael Soto destacam-se pelo forte contraste de figuras geométricas e cores, forçando os nossos olhos a reter duas perceções contraditórias, dando a impressão de movimento, convexidade, ou concavidade, em suma, de ilusão ótica, sempre renovada, também à medida que nos deslocamos pelas obras.
Em Percepções e Movimentos, Angelika Huber apresenta In Motion, walk again’ (2024), um ready-made a partir de três mostradores split-flap. A artista austríaca, recontextualizando estes dispositivos comumente vistos em aeroportos ou estações de comboio, apresentando texto alfanumérico, sobressai o seu movimento, som e temporalidade no espaço expositivo. Ao lado, a proposta de Diogo Pimentão, Eversion (inversion) (2024) surge da parede da galeria, em forma de três blocos radiantes, como se fossem traços em grafite, que vão para além do papel, proporcionando uma ilusão ótica, uma noção de tridimensionalidade ao desenho, mas também uma ideia de movimento, pelo nosso deslocamento pelo espaço. Em frente, Isaque Pinheiro mostra Memória #2 (2019) e Eis quando a pedra manipula a linha sob sedução da tela (2024), num gesto de continuidade do seu corpo de trabalho, ora pela forma como dá a ilusão de subtileza e fluidez ao mármore, recordando o classismo, ora o voltando à contemporaneidade, através de composições abstratas, concetuais e geométricas. Todavia, na segunda sala, Roland Fischer, um dos mais importantes fotógrafos alemães da atualidade, exibe Uniqlo, Osaka (2014). Uma fotografia em pormenor do edifício japonês, realçando as suas formas geométricas, eliminando o seu contexto e retornando às suas linhas mais puras. Por contraste, Marisa Ferreira mostra-nos Expanded Series (blue) e Expanded Series (yellow), inspirada pelo minimalismo e pelas memórias dos edifícios industriais devolutos na região do Ave. As peças de Marisa permeiam-se pela justaposição de figuras geométricas, pela serialidade das formas, mas também pela ilusão que a sua tridimensionalidade nos provoca, pela vivacidade no uso das cores primárias e pela noção de ritmo à sua passagem. No seguimento, Halo Series 05 v 03 (2023) de David Magán sugere halos de luz no espaço, pelo meio da impressão digital de camadas de tons primários em degradê, sobressaindo da parede do espaço expositivo, como um pulsar de cores, formas e luz. Ressalvando, Ethereal Trace 18 (2022-2023) em exibição na montra da galeria.
Na última sala, é apresentado o vídeo Retornar (2012) de Diogo Pimentão, em contraposto ao vídeo de Lia Chaia Átomo (2020). Em ambos, o movimento circular, o magnetismo e a ação da física perante os elementos sobressai, dando continuidade às peças de Carlos Mensil: Sem título (2016) uma estrutura tríptica em aço inoxidável, que vai partindo da parede e criando várias formas diferentes à medida que nos deslocamos na galeria, e 16:9 (2022), um desenho-objeto, suspenso, produzido com o mesmo material, mas com o recurso a motor, caixa de madeira e luz, que nos hipnotiza pelo seu movimento circular e pelas novas formas que vão surgindo, sobretudo os reflexos de luzes no espaço expositivo.
Em última análise, a exposição, pelas produções artísticas contemporâneas que exibe – nomeadamente pelas suas formas geométricas, cores, abstração, ilusão ótica, mas sobretudo pelo modo como incita o espectador a mover-se pelo espaço, reconfigurando formatos, ritmos e percepções –, volve à atualidade alguns dos pressupostos da arte cinética, ótica e do minimalismo, num gesto que é ele mesmo contemporâneo, pela contínua reformulação, enunciação, ou atualização de práticas artísticas precedentes.
Percepções e Movimentos, com curadoria de Constança Babo, está patente na Galeria Presença, no Porto, até 9 de março de 2024.