Fertile Futures: Laboratório em Itinerância, a representação oficial portuguesa na 18ª Exposição Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia 2023, no Palácio Sinel de Cordes em Lisboa
O laboratório desenvolvido ao longo de um ano, resultante da representação oficial portuguesa na 18ª Exposição Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia 2023, é apresentado na totalidade pela primeira vez no Palácio Sinel de Cordes, em Lisboa. A proposta para pensar o futuro assente na problemática da escassez de água doce é apresentada num formato laboratorial, respondendo à convocatória “O Laboratório do Futuro”, lançada por Lesley Lokko, curadora desta edição da Bienal.
Fertile Futures: Laboratório em Itinerância revela, para além das propostas e reflexões de sete equipas multidisciplinares acerca da ação antropocêntrica sobre sete hidrogeografias portuguesas apresentadas no Palazzo Franchetti em Veneza no ano passado, registos do Seminário Internacional de Verão que teve lugar no Fundão em julho de 2023, ensaios críticos resultantes das cinco Assembleias de Pensamento que tiveram lugar ao longo do último ano, e o documentário Contemporary Dialogues realizado pelo Canal 180.
A inauguração contou com mais de 500 pessoas. Após as palavras do diretor geral da Direção-Geral das Artes, Américo Rodrigues, da curadora do projeto Andreia Garcia e do diretor executivo da Trienal de Arquitetura de Lisboa Manuel Henriques, tiveram lugar uma visita guiada pela equipa curatorial e equipas artísticas e a derradeira Assembleia de Pensamento, onde foi lançado o segundo volume de Fertile Futures – tendo o primeiro sido lançado a propósito da inauguração da exposição em Veneza.
Ao contrário da exposição em Veneza, em que cada caso de estudo detinha uma sala própria, individualizando-o dos restantes, os espaços do Palácio Sinel de Cordes permitem um diálogo entre as várias propostas dispostas, algumas lado a lado no mesmo espaço ou em salas contíguas. A coexistência das diversas proposições especulativas acerca dos sete territórios hidrográficos localizados de Norte a Sul do país, e que incluem os arquipélagos da Madeira e dos Açores, lança reflexões bastante mais amplas que se estendem a uma escala global e assentam em questões politicas, económicas, sociais ou ambientais, circunscritas no tema proposto.
A arquitetura enquanto veículo para imaginar o futuro ultrapassa a sua dimensão objetual, associando-se a assuntos emergentes no sentido de procurar dar resposta a problemáticas urgentes, como, neste caso, a gestão de um recurso natural essencial: a água. O programa proposto pela curadora Andreia Garcia e os curadores adjuntos Ana Neiva e Diogo Aguiar assenta, precisamente, nesta dimensão laboratorial do projeto de arquitetura e na prática da arquitetura na sua dimensão sociopolítica, convocando um modo de fazer em aberto e colaborativo entre diferentes disciplinas.
As equipas contam com a participação de Space Transcribers e Álvaro Domingues, Dulcineia Santos Studio e João Pedro Matos Fernandes, Guida Marques e Érica Castanheira, Oficina Pedrêz e Aurora Carapinha, Corpo Atelier e Eglantina Monteiro, Ilhéu Atelier e João Mora Porteiro e Ponto Atelier e Ana Salgueiro Rodrigues, e propõem formas de articulação entre diferentes tempos e escalas que procuram mitigar o impacto da metamorfose do território, flora, fauna e vida humana na Bacia do Tâmega; a recuperação e reaprendizagem de técnicas ancestrais e sistemas naturais de modo a combater a desertificação no Douro Internacional; um processo-manifesto de recuperação, descontaminação e renaturalização progressiva da paisagem transformada pela atividade da indústria mineira na região do Médio Tejo; dispositivos de descontaminação e produção de solos contaminados e superexplorados na Albufeira do Alqueva; a denúncia de situações de exploração e sobreposição verificadas no perímetro de rega do Rio Mira alertando para a ausência de regulação deste sistema; a (re)imaginação utópica do futuro das lagoas açorianas, combatendo a sua principal fonte de poluição decorrente da atividade agropecuária; e hipóteses de revitalização das linhas de água na Madeira, hoje artificializadas, recuperando a resiliência entretanto perdida, uma reflexão crítica sobre o trauma associado aos aluviões nas Ribeiras Madeirenses.
São sugeridas hipóteses de construção de futuros férteis, ou pelo menos mais férteis, que não seriam possíveis sem o cruzamento de diferentes áreas e saberes. A tentativa de solucionar ou contrariar os cenários preocupantes por nós provocados, através da nossa própria ação colaborativa, é aqui invocada através da arquitetura. Este modo de fazer horizontal, livre de hierarquias, junta visões e posicionamentos distintos, que são por vezes até opostos. Os futuros caminhos possíveis sugeridos foram traçados ao longo de um extenso processo de consulta e discussão entre os vários intervenientes e a sua reflexão é complementada por todas as atividades, eventos e publicações que comportam o projeto Fertile Futures.
Uma plataforma de construção de conhecimento que promove uma discussão pública urgente e necessária, em tempos de mudança, alterações climáticas e globalização. Apelando à construção de um futuro fértil, sustentável, equitativo e colaborativo, através de um programa exploratório laboratorial extenso e complexo. O caráter especulativo de Fertile Futures propõe uma reflexão profunda sobre o passado, o presente e o futuro não apenas da gestão dos recursos hídricos, mas, também, dos recursos naturais, da humanidade enquanto entidade coletiva – distanciando-a de uma noção antropocêntrica – e da arquitetura enquanto disciplina e prática. Sem dúvida, como referiu Andreia Garcia, “um fertilizante sustentável de esperança”.
A exposição Fertile Futures: Laboratório em Itinerância poderá ser vista no Palácio Sinel de Cordes em Lisboa até 27 de abril de 2024.