A Pele da Terra no Coletivo Amarelo
Formas leves e delicadas, embora grande parte das peças tenha sido realizada em metal, erguem-se e estendem-se na galeria maior, do espaço Coletivo Amarelo. Na exposição A Pele da Terra, da artista Natália Loyola, e com curadoria de Sofia Steinworth, o que nos espera é uma viagem adornada pela experiência das coisas sutis e graciosas. Porém, neste jogo de opostos entre leveza e peso, somos assomados, pouco a pouco, pela grandeza dos factos e pela seriedade dos temas tratados.
Há toda uma camada fina e silenciosa que liga as peças apresentadas na exposição, e as transporta no tempo. Para lá das fronteiras geográficas, e muito além do ruido, fragmentos geológicos restituem a nobreza e a unicidade reivindicada pela natureza.
É para a ideia da união e dos afetos que a artista nos convoca, e aos nossos plenos sentidos e emoções.
Sobre o solo estendem-se Estratigrafias: várias molduras em acrílico, algumas contendo pequenas caixas de cartão, de cores diferentes, usadas pelos geólogos para distinguir, aquando da recolha dos espécimes, o período em que foram formados.
As molduras, que também contêm fotografias de áreas rochosas, em diferentes tamanhos, ou ainda fragmentos de diferentes metais usados e suas proveniências, ostentam, sobre si mesmas, uma coluna suspensa no alto, de cor branca, que emite sons e ruídos deliberadamente ásperos para o ouvido, ou que, pelo menos, provocam um certo desconforto a quem não estiver habituado a sons mais pesados.
Segundo a artista, os sons que provêm da coluna suspensa resultam de um pedido que fez a amigos para que friccionassem gelo seco sobre superfícies metálicas. O resultado, captado por meio de pequenos microfones de contacto, é um conjunto de estímulos sonoros irradiantes que se sucedem e ecoam no espaço da galeria, de modo heterogéneo, e se propagam até à superfície das molduras assentes sobre o solo. Loyola sugeriu que as molduras fossem manipuladas pelo visitante. Assim, o visitante procurará o ângulo das peças acrílicas que melhor reflita o som que provém da coluna, e que o amplifique, de modo a provocar o efeito ilusório de que são as próprias peças acrílicas que emitem os sons, e não a coluna. As peças, conforme o uso, vão desvelando diferentes configurações no solo, convocando a uma perpétua transformação do desenho expositivo inicial. Os diferentes pesos e medidas e a busca da reflexão do som sobre as mesmas incitam o envolvimento do corpo, e simulam os gestos corcovados do geólogo aquando da busca de provas no tempo, em estratos do solo.
Próximo do conjunto de peças já descritas, ergue-se um cubo em metal que expele, por meio de uma ranhura, uma língua de papel branco, e onde pode ler-se poemas de Carlos Drummond de Andrade, repetidos continuamente, e gradualmente manipulados pela inteligência artificial. Sobre o solo acumulam-se listas de fita que formam um conjunto ondulado, que lembra os talões de supermercado, a sair das caixas registradoras, ao fim do dia. A caixa, hirta, só trabalha nos dias úteis e de acordo com as oscilações da bolsa.
Mais ao fundo, e de formas também esguias e finas, afirma-se uma estrutura em metal, de grandes dimensões. Uma ranhura funda denuncia que algo poderá estar a acontecer no seu interior. Do outro lado, a peça mostra outra pequena abertura, ao nível dos olhos, possibilitando ver o seu conteúdo. No interior, uma projeção pálida de uma montanha já extinta, oriunda do Pico do Cauê, aparece. Pouco depois, um fumo branco eclode formando espessas e belas nuvens que ocultam a imagem. O vapor dilui-se no ar e esfuma-se pelos orifícios da peça metálica, concentrando-se, depois, e por escassos segundos, nos tetos altos da galeria.
As marcas geológicas, a imagem da montanha projetada. A ligação entre geologia, estratigrafia e arte imerge na exposição. Trata-se de uma fusão que interessa à artista, assim como o tema da ciência, da filosofia e da linguagem. As primeiras manifestações artísticas da humanidade foram intimamente geológicas. Assomaram nas pinturas rupestres de Lascaux[1], fulguraram na época de Leonardo[2]. Inspiraram a pintura, como o romantismo alemão de Carl Spitzberg[3], ou de Caspar Friedrich. Os geólogos também receberam ensinamentos provenientes da escultura e da arquitetura, num perpétuo e constante fluxo de saberes e fazeres. Contaminando-se mutuamente, (artistas geólogos, cientistas em geral) esforçaram-se por uma busca de conhecimento, e entendimento do mundo[4].
Na galeria menor, ou Pequena Galeria, do mesmo espaço Coletivo Amarelo, a exposição A Pele da Terra culmina com Cabeça de anta era boi (2021), uma exposição de Flávia Regaldo composta por cinco gravuras também reminiscentes do tema da geologia, da paisagem, e da natureza.
[1] Segundo Tobisch, O. T.
[2] Segundo Ester Boixereu Vila e Rosell Meseguer Mayoral.
[3] Ibidem.
[4] Ester Boixereu Vila e Rosell Meseguer Mayoral. (2023). The Geology in Art: Introduction La geología en el arte: introducción. BOLETÍN GEOLÓGICO Y MINERO 2023, VOL. 134 (1), 7-11 ISSN: 0366-0176 http://dx.doi.org/10.21701/bolgeomin/134.1/00.