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Quando (X) já não é mais do que uma Epopeia de si próprio: João Ferro Martins na 3+1 Arte Contemporânea

Não me recordo do referente, por isso cito de memória. Quando João Bénard da Costa antevê uma biopic sobre um qualquer tycoon Hollywoodiano nos anos 80, refere que esta se realizará “quando o cinema já não for mais do que uma epopeia de si próprio”. Prometo que tal afirmação não traz o tom pejorativo que este elemento isolado possa suscitar, e muito menos eu o desejo fazer. Não é lugar para isso. O que aqui proponho é transportá-la para o presente, e encontrar uma expressão a substituir por “cinema” que sumarize adequadamente o contexto da exposição It’s painted on her shirt in capitals, de João Ferro Martins, na 3+1 Arte Contemporânea. Talvez depois disso possamos tirar outras conclusões, mas, ao contrário de há pouco, aqui nada prometo.

A recusa do tom pejorativo da afirmação não implica necessariamente que a crítica proposta pela exposição não transporte em si uma aura negativa ou decadente. Efetivamente estamos na presença de uma crítica, mas esta fá-lo utilizando os mesmos métodos do que crítica, e isto revela uma postura de quem já desistiu de tentar de outra forma, acentuando a decadência.

Ferro Martins nunca nos apresenta a coisa em si. Ou, por um lado, nos sugere uma consequência de determinado – e muitas vezes indefinido – evento (como é o caso das agulhas de tricô que trespassam a parede); ou, por outro, nos desilude com mecanismos mal-amanhados de simulação – ou dissimulação – de acontecimentos que só encontram pretexto dentro do campo da arte (como o escadote apoiado sobre uma estrutura de madeira). Encontramos, ainda, entre muitos outros objetos, meias tendas e vidros temperados; baterias desmontadas e baquetas-pincel (encerradas numa caixa); amontoados de óculos e ski masks. Tudo isto – a somar às imagens de figuras clássicas em molduras oxidadas – forma uma espécie de coleção de objetos de equilíbrio precário – literal ou metafórico – sustentados meramente pela existência desta exposição.

Mas voltemos ao nosso exercício inicial. Fica aqui claro que a palavra “arte” não é a nossa key word. Não é esta o alvo da crítica de Ferro Martins, caso contrário não haveria esta desilusão com o que a arte deveria ser na sua génese. É, sim, uma crítica a um estado da arte, ao seu dispositivo, da qual Arthur Danto aprovaria a intenção, mas não lhe agradaria a execução. 

O “já” na afirmação implica uma condição ultrapassada, e consequentemente anuncia um fim, um movimento descendente, ou um ciclo vicioso para evitar tal desfecho. Na exposição It’s painted on her shirt in capitals, o artista parece manter uma certa esperança, sendo essa esperança um dos agentes desse eterno retorno. Não será esta produto de um sistema que se alimenta da autocrítica? Tão fechado em si mesmo que o seu único objetivo é a sua própria e constante superação, onde a experiência multissensorial do espectador perde importância, e que no limite produzirá objetos insignificantes? Irreconhecíveis ao seu pretexto inicial? Uma outra coisa que não arte? Já ouvi apelidar tal condição de Arte em Estado Gasoso[1]. Mas até se confirmar que ainda mantêm identidade enquanto arte, vou chamar-lhe “X”.

Paródia ou produto? Deixo à consideração do espectador. E se encontrar expressão de substituição melhor do que uma incógnita, mando estampar no título a letras garrafais.

A exposição It’s painted on her shirt in capitals de João Ferro Martins está patente na galeria 3+1 Arte Contemporânea, em Lisboa, até dia 24 de Fevereiro.

 

[1] Expressão de Yves Michaud.

Tiago Leonardo (Lisboa, 2000) licenciou-se em Ciências da Arte e do Património (FBAUL) e frequentou o curso de Jornalismo Cultural (SNBA). Atualmente está a terminar o mestrado de Estética e Estudos Artísticos, com especialização em cinema e fotografia (NOVA/FSSH) onde incide a sua investigação no pós-fotográfico dentro do contexto artístico português. No seu trabalho como escritor e colabora com diversas publicações; como o CineBlog do Instituto de Filosofia da UNL, a FITA Magazine, entre outras.

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