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Black jell-O birthday party: Antonio Olaio na NO.NO

Tenho uma confissão a fazer.

Apesar de António Olaio ser um artista amplamente conhecido, e plenamente legitimado, no meio cultural português – e não só – por mera ignorância da minha parte, nunca tinha procurado aprofundar-me no seu trabalho. Isto não significa que este encontro configure uma estreia. Éramos antes conhecidos, nunca formalmente apresentados (falha minha). Mas a verdade é que o trabalho de Olaio não padece da necessidade de um entendimento mais profundo do seu percurso artístico para a criação de uma relação, tenha esta a tipologia que tiver. Procurar aliás unicamente nesse percurso um sentido para o trabalho – apesar do evidente cunho autoral denunciado pela recorrência da metodologia – revela-se prejudicial. O máximo que este poderá fazer por nós é avisar-nos que antes de entrar no espaço expositivo há que suspender a descrença.

Para tal – sem querer entrar num comum, e algo aborrecido, exercício de referência e prosseguimento da folha de sala da exposição – utilizo o texto de David Santos para reforçar dois ou três pontos, que, não descrevem nem denunciam, mas apontam para onde “olhar”.[1]

  1. António Olaio persiste no desenho infinito da sua cosmogonia pessoal.
  2. Esta procura, apesar de individual, pretende ser capaz de ativar forças do nosso imaginário coletivo.
  3. O resultado é poético e paradoxal e a sua força reside no estranhamento causado pela transmutação do real, que é o modus operandi para atingir os dois pontos anteriores.

Posto isto, entremos então em Black Jell-O Birthday Party, primeira exposição a solo do artista na galeria NO.NO, em Lisboa.

Um aniversário é um evento simbólico, motivo de celebração e tristeza. Marca o nascimento, a génese, o início. Divide por ciclos um ciclo maior: a existência, ou a vida; assinalando etapas – mais um passo em frente – para um inevitável fim. A relação de cada indivíduo com este acontecimento é pessoal, no entanto, o entendimento desta tensão nostálgica é um lugar-comum, e é aí que o artista nos contagia nesta narrativa complexa.

Visitei a exposição duas vezes. A primeira sozinho e a segunda em contexto do “Passeio da Estrela” – exemplar iniciativa conjunta de várias galerias na zona da Estrela e Campo de Ourique – para assistir à performance e lançamento do livro, intitulados Where Paris use to be. Devo admitir que a segunda complementou a primeira.

As pinturas, pela ausência de cor, propiciam sem dúvida uma projeção do que o espectador deseja ver, e acentuam a transmutação do real num sentido exclusivo ao médio da pintura. Têm os símbolos que sustentam o seu título e o surrealismo necessário para carregar o imaginário da tensão descrita acima. Também o vídeo que passa em loop – com um visual inserido na mesma categoria das restantes peças – transporta essa aura. E o que lhe falta de pintura é reforçado através da música, criação original do artista – em parceria com Manuel Guimarães – como normalmente acontece.

Achava que já sabia o que esperar, e isto apenas potencializou a surpresa.

Na minha segunda visita – para assistir à performance – de uma sala cheia de gente – como numa verdadeira celebração – ergue-se no meio da multidão o artista, subindo para um banco com velas entre os dedos, que acende e apaga (repetidamente), marcando a passagem do tempo num período indefinido. Anos passaram em segundos, e objetos foram-se perdendo, a começar nas velas e a acabar na carteira – quase abdicando da identidade de quem define o tempo, transformando-o num tempo comum, e em arte (nem que seja pelo absurdo do ato) – e vai dançando, para lembrar ou para esquecer. Canta com uma voz pesada e melancólica duas músicas também originais.

Uma amiga disse-me que sentiu que toda esta exposição se tinha transformado no mais perfeito cenário. Luzes desligadas, pinturas de fundo, e o ecrã sem som a passar o vídeo, como quem assim o coloca temporariamente porque está na hora de cantar os parabéns e soprar as velas e isso não foi motivação suficiente para o desligar. Não posso deixar de concordar.

Seja circunstancial ou não, é aqui que a exposição se consolida.

A exposição Black jell-O birthday party, de António Olaio, estará patente até 13 de janeiro de 2024 na galeria NO.NO, em Lisboa.

 

[1] Todas as ideias enumeradas foram retiradas da folha de Sala da Exposição, escrita por David Santos.

Tiago Leonardo (Lisboa, 2000) licenciou-se em Ciências da Arte e do Património (FBAUL) e frequentou o curso de Jornalismo Cultural (SNBA). Atualmente está a terminar o mestrado de Estética e Estudos Artísticos, com especialização em cinema e fotografia (NOVA/FSSH) onde incide a sua investigação no pós-fotográfico dentro do contexto artístico português. No seu trabalho como escritor e colabora com diversas publicações; como o CineBlog do Instituto de Filosofia da UNL, a FITA Magazine, entre outras.

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