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Nas costas do viajante de Caspar Friedrich e Motel Coimbra #6 no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra

O Colégio das Artes da Universidade de Coimbra acolhe, até 26 de janeiro de 2024, duas exposições. Apresentá-las-ei pela ordem espacial em que surgem e, por esse motivo, abordarei inicialmente a exposição de Luís Silveirinha, que ocupa o Quarto 22.

Em Nas costas do viajante de Caspar Friedrich, partimos precisamente da famosa obra, seminal para o romantismo alemão, intitulada O viajante sobre o mar de névoa, de 1818. Nos 22 trabalhos expostos, Luís Silveirinha explora a perpendicularidade de uma qualquer jornada, ou a inevitável latência dos caminhos possíveis e impossíveis. O que terá visto este caminhante durante o seu curso? O que escolheu ver? O que escolheu não ver? O que escolheu não escolher? Ou, por último, o que não escolheu escolher? O espectador é, assim, convidado a percorrer um trajeto diferente deste viajante, mas que lhe deve seguir as pisadas, num trilho alternativo, através desta flora pictórica criada por Luís Silveirinha, cujos elementos representados podem, no limite, remeter para uma jornada interior, indissociável desse destino para sempre radicado nos anais da história da arte: a paisagem mirífica contemplada n’O viajante sobre o mar de névoa.

Será também importante ancorar o pensamento sobre esta ocupação do Quarto 22 na dicotomia face/costas. Não conhecemos o rosto do viajante, mas conhecemos o rosto da pintura que o representa. Se à ideia de costas e rosto conotarmos as noções de verdade e mentira, somos forçados a questionar para onde devemos realmente olhar. Escreve-nos António Olaio, na folha de sala da exposição: “Nas costas de uma personagem pintada, está a face de uma pintura e tudo o resto”. A pintura olha-nos, inelutavelmente, de frente, dando-nos, inevitavelmente, o seu rosto. Essa é a verdade possível. E se a desocultação do rosto é a revelação de uma certa verdade, toda e qualquer pintura só nos poderá enganar para além da verdade do primeiro encontro. Uma verdade aparentemente inócua, que vive do olhar de relance e que da qual será raro o espectador que se aperceba. Breves instantes depois desse primeiro encontro ocular, Sartre recordar-nos-á de procurar a mentira no, neste caso, pictórico.

Na exposição seguinte, a sexta edição de Motel Coimbra, os doutorandos em Arte Contemporânea do Colégio das Artes colaboram numa coletiva na qual mostram trabalhos que refletem as suas investigações, partindo das suas atividades artísticas ou curatoriais. Esta proximidade súbita entre as obras expostas provoca autênticas dissonâncias no espaço que, naturalmente, dificultam o intrínseco processo de procura por alguma harmonia. Simultaneamente, refletem uma heterogeneidade artística que apazigua qualquer medo de que, um dia, a arte seja engolida pelos mesmos pressupostos, pelos mesmo parâmetros. Este motel, pela sua arquitetura conceptualmente desagregada, é garantia de que a crise das disciplinas artísticas é, ainda, propulsora de uma valiosa diversidade. Um motel é esse espaço de relações súbitas e efémeras, mas com uma certa eternidade em potência. Novamente pelas palavras de António Olaio, na folha de sala da exposição: “E os móteis são mesmo assim: lugares de passagem, de aventura ou só de breve guarida. Onde não se escolhe a vizinhança nem esta nos escolhe, com quem nos cruzamos e de quem podemos imaginar uma história ou mesmo uma identidade que só a imagem da sua passagem nos dará. E é sobretudo desta matéria que é feito o cinema, os livros, as canções, as obras de arte.”

Deste modo, Motel Coimbra #6 demonstra a polifonia artística verificável nas práticas deste doutoramento, aproximando, desde a sua primeira edição, as noções de investigação académica e de prática artística. Com obras de Adrián Montenegro, Alexandre Grave, Céu Gonçalves, Elisabete Magalhães, Emanuela Boccia, Filipe Neiva, Íris Faria, Júlio Cerdeira, Joana Pais, Lilian Walker, Marcelo Moscheta, Marcia Cattaruzzi, Nara Rangel, Pauliana Valente Pimentel, Paulo Emílio Com Dori Nigro, Puyuan Jiang, Ricardo Escarduça, Sandra Lessa, Valéry Karpan e Vítor Garcia.

Daniel Madeira (Coimbra, 1992) é licenciado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Curatoriais pelo Colégio das Artes da mesma universidade. Coordenou, entre 2018 e 2021, o Espaço Expositivo e o Projeto Educativo do Centro de Artes de Águeda. Atualmente, colabora com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC).

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