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“Passagem” de Mariana Viegas e Festa da Escola da Vila – Porta 33 proporciona encontro entre arte e comunidade na ilha do Porto Santo

Rostos que nos olham uns a seguir aos outros, em movimento. Contam-nos histórias, a sua história, a história da Escola da Vila, fitam-nos. Todos eles passaram ou estão de algum modo relacionados com a Escola da Vila no Porto Santo, como alunos, professores, auxiliares ou mesmo construtores do belíssimo edifício da autoria do arquiteto Raúl Chorão Ramalho, elemento unificador de todos os intervenientes.

53 retratos da autoria de Mariana Viegas constituem a instalação de vídeo Passagem, em exposição na Escola da Vila – Porta 33 no Porto Santo. A exposição inscreve-se no programa Eira – Contributos para a Escola do Porto Santo e o seu território, com curadoria de Nuno Faria, fazendo parte de um conjunto de cinco exposições de vários artistas em residência na Escola – Duarte Belo, Carolina Vieira, Mariana Viegas, Francisco Janes e Tomás Cunha Ferreira.

Ocorrem-me duas palavras para falar sobre o trabalho que Mariana Viegas aqui apresenta – Memória e Tempo. A memória associada à memória do lugar da Escola construída a partir das memórias das várias pessoas fotografadas, ou a nossa própria memória encontrada nos rostos dos retratados. E o tempo ou os diferentes tempos personificados por pessoas de várias idades que passaram pela Escola em momentos diferentes.

A noção de tempo surge ainda no próprio ato de fotografar, no tempo necessário para estabelecer uma relação entre fotografa e pessoa fotografada ou no tempo necessário para alcançar o seu retrato, um retrato de “uma presença sem feitio”, como Mariana Viegas refere, um retrato de memórias. Esta dimensão de tempo é introduzida no seu trabalho através do vídeo ou da sobreposição de imagens simulando o movimento.

Vários rostos emergem uns a seguir aos outros de um fundo negro, ora estáticos, ora em movimento. Estabelecemos imediatamente uma qualquer relação com eles. Revemo-nos no outro, talvez porque “o rosto, nas palavras dos filósofos, é uma lembrança de que somos humanos. Somos porque os outros são. Como num espelho, vemo-nos no rosto do outro” citando Nuno Faria no texto que acompanha a exposição. Avistamos memórias na profundidade de cada um, a passagem do tempo. De algum modo são semelhantes a nós. Rostos que nos são próximos, que penetram na nossa intimidade, perante os quais nos interrogamos sobre a nossa existência, a nossa aparência, a nossa interioridade, a nossa personalidade.

Trata-se de um trabalho de retrato, um dos géneros na pintura, ou na fotografia mais antigo e também mais reconhecível. Nuno Faria lembra-nos que os mais antigos retratos feitos pela mão do homem foram feitos há mais de 2000 anos, no antigo Egito, os retratos do Fayoum. Mariana Viegas sugere uma transformação do retrato, apresentando-o não apenas através da fotografia mas também através do vídeo: “interessou-me incorporar na fotografia uma camada de tempo possível através do vídeo”.

O livro que resulta da exposição espelha a instalação de vídeo que ocupa o espaço da antiga cantina da Escola da Vila. Cada rosto é individualizado por uma página em branco que antecede o rosto seguinte sendo que nenhum rosto contamina o anterior ou o seguinte. No verso de cada retrato, duas imagens sobrepostas da mesma pessoa sugerem movimento. Ao folhearmos as suas páginas num sentido avistamos uma sequência de “retratos estáticos”, ao folhearmos o livro no outro sentido deparamo-nos com uma sequência dos mesmos “retratos em movimento”. É possível ler a cadência da sucessão de rostos da instalação de vídeo e contemplar cada rosto individualmente.

O conjunto de pessoas retratadas por Mariana Viegas, representa, nas suas palavras, “um universo muito maior”. Ao contemplá-las, é possível atravessar uma Passagem para algo que nos é íntimo, “uma passagem para a memória” penetrando na profundidade de cada rosto que (re)constrói a memória e a identidade, individual e colectiva do lugar da Escola da Vila. A exposição Passagem poderá ser vista na Escola da Vila – Porta 33 no Porto Santo até ao final do mês de fevereiro de 2024, sendo que transitará posteriormente para a Porta 33 no Funchal.

Já a sua inauguração integrou a segunda edição da Festa da Escola da Vila, que coincidiu com o 33º aniversário da Porta 33. Dois dias de uma intensa programação que contou com inúmeros intervenientes. Cristina Clara marcou a abertura do evento com um concerto com os coros infanto-juvenil da Junta de Freguesia e da Universidade Sénior do Porto Santo, com direção e coordenação de Nazaré Cunha e Margarida Galvão. No dia seguinte teve lugar na Escola da Vila, uma Feira de produtos locais com atuações da Banda Musical da Casa do Povo de Nossa Senhora da Piedade do Porto Santo e do grupo de Folclore do Porto Santo, a inauguração da exposição e apresentação do livro Passagem de Mariana Viegas, a performance Dulce de Mariana Lemos e Leve-Leve inspirado nas danças tradicionais de São Tomé e Príncipe com os alunos da Escola Profissional CELFF, sob orientação de Mariana Lemos e Andréa Gomes. Houve, ainda, oficinas como a criação de palmito (Vera Menezes) ou a oficina de danças tradicionais (Duarte Mendonça) e uma demonstração de brinquedos de outrora (Luís Rodrigues).

Um bonito encontro entre arte e comunidade que assinalou a intensa atividade desenvolvida pela Porta 33 ao longo de mais de três décadas entre o Funchal e, mais recentemente, o Porto Santo.

Num futuro próximo, o programa Eira dará ainda origem a uma publicação. Uma espécie de guia do território do Porto Santo que contará com o contributo de pessoas de várias áreas – arte, arquitetura, história, geologia, antropologia, educação, geografia.

Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.

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