Top

Ciclóptico: Paulo Lisboa no MAAT

A luz é a matéria fundamental na expressão artística de Paulo Lisboa. Com um trabalho que transcende as fronteiras tradicionais do desenho, a luz é o meio que ativa a obra e a conduz a uma dimensão oculta e cósmica. Na exposição Ciclóptico, somos convidados a percorrer um caminho sensorial onde a luz não apenas ilumina, como também é criadora de novos sentidos para o desenho.

O ambiente é negro, com pontuais focos de luz que envolvem as quatro obras da primeira sala. Os três desenhos que encontramos são feitos em carvão sobre chapas de alumínio circulares. O que vemos são gradientes de vários tons que oscilam entre o cinza e o negro, sempre na configuração circular. A luz que incide sobre o desenho torna-o hipnótico, jogando com a nossa perceção, quer estejamos parados ou em movimento. Quando nos aproximamos dos desenhos, a textura do carvão torna-se visível e os grãos revelam-se, lembrando-nos do Pontilhismo [1] do século XIX, aqui monocromático e abstrato.

Como indicado na folha de sala da exposição, o processo de trabalho de Paulo Lisboa passa pela utilização de diferentes lixas e formas de peneiramento do carvão. Feita a transformação, o pó de carvão é aplicado sobre a superfície de alumínio, assente numa mesa rotativa que permanece em movimento durante a construção do desenho.

Ainda nesta primeira sala, a forma retangular de um pano preto de flanela destaca-se das restantes peças. Este pano habitou o ateliê do artista durante três anos de produção, servindo para tapar a luz do sol que entrava no seu espaço. O resultado é um objeto também com gradientes de cor, mas aqui desenhados pela luz solar.

A harmonia cromática da exposição continua na segunda sala, ocupada por uma instalação composta por três desenhos suspensos e três projetores de luz. À semelhança das obras descritas anteriormente, o processo de construção do desenho é o mesmo, mas aqui é executado sobre o vidro, também ele de forma circular. A possibilidade que o vidro oferece prende-se com a sua transparência, permitindo que a luz dos projetores atravesse o desenho. As três peças foram suspensas por cabos de aço ao nível do nosso olhar e alinhadas ao centro da sala, e os projetores encontram-se na parede atrás de cada uma. Este alinhamento entre o desenho e a luz do projetor origina o reflexo de cada obra na parede em frente. Ao tocar no vidro, a luz projeta as diferentes opacidades e transparências do desenho.

Apesar da natureza abstrata das composições, a perceção do que vemos leva-nos para o campo da imaginação. Os desenhos transportam-nos para imagens-arquétipo dos corpos celestes que fazem parte do universo. As formas circulares lembram-nos de órbitas ou anéis planetários. A luz sobre o desenho, os reflexos e sombras que se originam, remetem para um alinhamento cósmico entre a Lua e o Sol.

A exposição Ciclóptico, que esteve patente no MAAT, contou com a curadoria de Sérgio Mah, apresenta-se como uma experiência sensorial que combina o desenho e a luz. A obra de Paulo Lisboa, fundamentada na luz como agente transformador, convida os espectadores a explorar as fronteiras da perceção, estimulando o pensamento sobre o modo como as imagens são produzidas.


[1]
Movimento artístico derivado do Impressionismo, onde os artistas utilizavam pequenos pontos de cor que, pela sua justaposição, criavam misturas óticas nos olhos do espectador.

Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

Subscreva a nossa newsletter!


Aceito a Política de Privacidade

Assine a Umbigo

4 números > €34

(portes incluídos para Portugal)