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Umbigo entrevista o escultor multipremiado Tony Cragg

A Umbigo entrevistou o escultor Tony Cragg, poucos dias antes da inauguração de Rare Earth, comissariada por Emília Ferreira no MNAC – Museu do Chiado, a sua primeira exposição retrospetiva em Lisboa. Esta conversa debruça-se sobre o trabalho de Cragg numa visão mais alargada e incide no projeto desenvolvido para o MNAC e para o espaço público da cidade. Até 25 de fevereiro de 2024.

Tiago Candeias: São mais de 50 anos de criação e produção, com diferentes fases e influências. De que forma é que cada território influenciou o seu trabalho?

Tony Cragg: É uma questão muito difícil porque as coisas simplesmente vão acontecendo. Recebi uma excelente educação na Grã-Bretanha e, por essa altura, não estava propriamente muito interessado em escultura. Em 1969-1970, contudo, fiz pela primeira vez coisas com materiais e achei tudo aquilo empolgante. Já havia três gerações de escultores no Reino Unido: Moore, Hepworth, Chadwick; Caro, King, etc.; e Gilbert & George, Long, Flynn e assim por diante. Sem saber absolutamente nada sobre escultura, descobri de repente que o discurso era extremamente vigoroso. Compreendi que não se tratava apenas de fazer coisas interessantes, mas sim de tomar algumas posições relativamente ao conteúdo do mundo. Foi assim que tive um início fantástico do meu trabalho na Grã-Bretanha. Depois, quando me mudei para a Alemanha, a perspetiva era completamente nova. Nessa altura, a história da arte era ligeiramente diferente, muito virada para artistas como Beuys e Art Povera, extremamente concetual e com um significado social. Acabava por ser um pouco vago e desconcertante, mas os alemães têm uma forma muito consequente de pensar as coisas. Pela primeira vez, com um grau de profundidade diferente nessa conversa, percebi verdadeiramente do que se trata o trabalho. E ter passado por isso foi muito importante. No Reino Unido, a discussão era sobre forma e conteúdo. E os alemães defendiam uma posição ligeiramente distinta, algo que descobri nessa altura.

Mesmo com todas estas influências diferentes, vemos no seu trabalho um interesse comum e constante: na matéria e no material, com todas as suas potencialidades.

Sem dúvida! Nunca me interessou pegar num material e torná-lo parecido com algo que já existe. Quero é descobrir o que posso fazer, que emoções e ideias posso suscitar. Arranco com o trabalho e, ao fazê-lo, continuo a avançar até encontrar formas e coisas relacionadas. Sinto uma reação emocional à forma material que tenho à minha frente. É isso que quero fazer. Tive sempre as mesmas ideias e desenvolvi-as o mais que pude. O que quero dizer é que vou compreendendo essas ideias de forma diferente, mas os conceitos permanecem os mesmos: afastar-me das geometrias simplistas.
Na altura de estudante, andava obcecado pelo Minimalismo: Judd, Sol LeWitt, Carl Andre… Achava maravilhoso não ter uma imagem à frente que pudesse ler. Não havia alegoria. Só tínhamos de pensar na forma como reagíamos. Percebi que as coisas nos afetam e que cada mudança na forma faz a diferença na maneira como pensamos e sentimos. É precisamente essa a base da escultura. E essas noções de empobrecimento da forma constituem uma coisa. Destruímos a forma, empobrecemos o material. É incrível. A geometria estraga tudo. Sabemos como é prático fazê-lo, tudo é feito através dos nossos sistemas industriais e o utilitarismo força-nos a produzir formas simplistas e repetitivas. É por isso que a escultura é uma das únicas atividades que cria novas formas. Mas é uma atividade humana raríssima. Não é utilitária. E é por isso que me sinto extremamente entusiasmado com a escultura. E também com a nossa ideia da realidade. Tudo o que temos é encarado como uma espécie de entidade distinta no espaço tridimensional, mas e todas aquelas coisas que podem estar no meio? Há infinitas possibilidades entre duas coisas. O que vemos na realidade é uma pequena ponta do icebergue. Acho que a escultura e a arte têm a função de nos mostrar um pouco melhor as possibilidades da nossa realidade.

Não deixa de ser curioso, pois numa entrevista afirmou: “a escultura é só um método para lidar com o mundo, procurar novas formas e colocar novas questões sobre o mundo em que vivemos e a realidade”.

É justamente isso que eu penso. As pessoas perguntam-me qual é a minha inspiração, mas estar vivo e poder refletir sobre a realidade é de loucos. Fico espantado e surpreendido com isso. Quando estou a fazer uma obra, dou-me conta de todas as outras possibilidades caso alterasse ligeiramente a forma, mas, no fim, é preciso seguir um determinado rumo. E, desta forma, entendemos o enorme leque de possibilidades. Quando trabalhamos com um material durante tempo suficiente, encontramos formas que mudam o que pensamos e sentimos, e é isso que todos os artistas estão a fazer: procurar os momentos onde as coisas começam a fazer sentido.

É alguém com fome de experimentar novas formas, relações e emoções entre as suas obras, espaços e pessoas. É esta a base para trabalhar maioritariamente segundo um sistema processual, em grupos de obras?

Não sei se isso existe. Sim, há dois grandes grupos de obras: Early Forms e Rational Beings. É uma questão de percebermos que nos está a faltar uma imensa variedade. Mas as coisas fazem-se sozinhas. Eu podia tentar parar. Enquanto estudante, houve uma altura em que o ready-made era muito importante, a perceção de que os termos e os contextos mudam completamente o objeto. Por exemplo, Spectrum é uma demonstração de como a indústria cria formas estúpidas e baratas. E foi por isso que comecei a fazer as minhas próprias formas, para me afastar da repetição industrial. Para transformar as geometrias em elementos emocionais.

Mas o seu trabalho também tem muita influência da biologia-ciência. Mesmo que não sendo figurativo, o corpo está sempre presente.

É precisamente essa a questão. O ser humano é um predicado de sobrevivência, essa é a nossa cultura. Esta enorme extensão material em que vivemos nasceu para nos ajudar a sobreviver. Desde que sobrevivamos, não nos preocupamos com o que não podemos ver ou desconhecemos. Estamos extremamente obcecados com a produção. O que acontecerá quando não tivermos de produzir tanto? Muito do que fazemos é insignificante. E, como disse anteriormente, a escultura é raríssima e o melhor de tudo é que as pessoas a consideram estática, mas não é! É uma disciplina gigantesca e em rápido desenvolvimento, onde muitos escultores trabalham com os diferentes aspetos do material. É muito interessante. 

Haver novas e múltiplas leituras do teu trabalho mantém-no como um organismo vivo que nos permite imaginar um futuro.

E acho que a escultura só agora começou! As possibilidades são ilimitadas, não só para mim, mas para o futuro. Sem dúvida alguma!
Chega um momento em que é preciso ser crítico, não só com os outros, mas também connosco. Há mudanças nas coisas. Mas continua a haver muito trabalho a fazer. O mundo está numa situação desesperada. A ciência diz-nos as verdades, as leis, as estruturas da nossa realidade. Mas a arte diz-nos o que significa. E é isso que é importante, dá-nos valor!

É isso que o motiva a continuar a criar?

Claro! Havendo sempre tecnologia, o conhecimento sobre as máquinas e a realidade em que vivemos aumenta. Mas alguma vez nos tornou pessoas melhores? Nós não mudámos. O que é que faz um ser humano melhor, uma humanidade melhor? É a escultura.

E como foi pensar neste projeto específico para Lisboa?

Estou felicíssimo por voltar a Portugal e ter a possibilidade de continuar esse diálogo. O que tivemos lá fora não foi fácil. É um privilégio poder expor nestes imensos espaços históricos. Queríamos ter esta noção de alteridade: não ser igual a nada. Não ser semelhante à natureza e ao que os humanos fazem. É uma energia diferente de tudo o resto. E a minha ideia era mesmo essa, com quatro formas diferentes de abordar esse problema. Não são apenas coisas, são energias. E, depois, o trabalho na exposição, sem ser retrospetivo, tem duas seções: uma pequena parte que mostra um pouco as origens do que trabalhei nos anos 70 e 80, além de trabalhos mais recentes. É muito bom!

Mediador Cultural, Curador e Investigador. Mestre em História e Patrimónios e Licenciado em Património Cultural, pela Universidade do Algarve. É Bolseiro de Investigação no DINÂMIA'CET-ISCTE. Tem-se dedicado sobretudo ao trabalho de Mediação Cultural, de Educação Patrimonial e de Gestão de Projetos Culturais, com foco no cruzamento arte-cultura-educação. Tem participado em várias iniciativas nacionais e internacionais ligadas a projetos culturais na área das artes e inovação, como o ILUCIDARE, European Creative Rooftop Network, e Faro 2027. Foi um dos Jovens Embaixadores MACE 2022 e tem especial interesse pela criação contemporânea, estando a concluir a pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA FCSH. Acredita que 'há um futuro no passado'!

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