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Museu da Gentrificação, de Nikolai Nekh na Balcony

Nikolai Nekh nasceu em Slavhansk-na-Kubani, uma cidade situada no sudoeste da Rússia. O artista vive em Portugal desde os 13 anos.

O olhar que Nekh parece ter sobre Lisboa, é um olhar exterior, mas não na sua totalidade. O olhar que detém da sua cidade natal, embora tenha lá vivido inicialmente, também é distanciado. Permanece assim, ligeiramente afastado para, quer de uma cidade, quer de outra, conseguir contemplar as suas mudanças, aspirações, ilusões, ambições e quedas. Assim como, numa possível comparação entre as cidades, encontrar as suas semelhanças e dissemelhanças.

Neste olhar distanciado, o artista, ao longo destes anos, tem-se concentrado em vaguear por Lisboa e recolher os artefactos encontrados pela cidade, objetos que foram descartados ou abandonados pelas ruas. Retirados apressadamente das casas que se encontravam à venda, ou por alugar. Despojos que não resistiram à máquina trituradora imobiliária, e que, com a sua voracidade, tornaram a cidade um lugar mais difícil de viver, que perdeu, progressivamente, a sua identidade. Foi assim que o museu imaginário da gentrificação de Nekh surgiu, e que se revelou uma urgência, numa perspetiva de debate e de reflexão sobre a cidade e, fundamentalmente, mais importante ainda, as suas gentes.

A obra de Nekh, como que se de um observatório se tratasse, tem estabelecido, além da criação de um museu imaginário, um número de ações artísticas que evidenciam as disparidades sociais motivadas pelo desenvolvimento tecnológico e económico, que se tem manifestado cego, e desenfreado, face a assuntos humanos.

Este olhar crítico e lúcido sobre o capitalismo e o seu impacto social sobre os mais desfavorecidos, bem como a luta de classes, tem sido a marca de Nekh em obras como Postcards from the City Raduhznyy, 2008, ou Achilles Heel, em 2018, no MNAC.

Na exposição Surender Surender, de 2021, Galeria Balcony, o artista recorre à fotografia. Além de esculturas, andaimes e estrados de cama que se encontravam espalhados pelo espaço da galeria, uma imagem em grandes dimensões, também presente, apresentava o artista fotografado numa piscina de hotel, a mirar, por uma janela ampla, a cidade de Beirute, então em convulsão. São estes confrontos, estes contrastes políticos e sociais ilustrados por Nekh, que vivificam a nossa atenção para com os desequilíbrios existentes entre classes, e que adornam cada vez mais a sociedade. O artista não parece querer despertar em nós um voyerismo – não vemos de facto Beirute – apenas sugere, pela imagem, que se encontra a observar, à distância, a cidade, e alerta-nos para o estado de letargia em que nos encontramos, quanto aos assuntos do mundo político e social.

Na presente exposição Museu de Gentrificação, com curadoria de Diogo Pinto, patente neste momento na galeria Balcony, as peças que surgem ao início são feitas em madeira lacada a esmalte acrílico, e de várias cores. Tratam-se de oito criados mudos, peças de mobiliário usadas para colocar os casacos, que se encontram dispostas no espaço da galeria de um modo ascético, como uma imagem publicitária ou uma montra. Reforçando a ideia já anunciada pelo artista de que “não opera com simbologias mas com vestígios”[1].

Quanto à produção de imagens, interessa-lhe o modo como podem originar resultados enganadores[2], ou ilusórios. As imagens publicitárias e hipnóticas das imobiliárias não diferem muito das linguagens usadas nas ascéticas, e higiénicas, galerias de arte.

Desse modo, coloridos e polidos, os Criados Mudos, dispõem-se na galeria de modo limpo e obediente.

Por entre o aglomerado de peças surge também Utopia, 2023, uma impressão a jato de tinta sobre papel. Trata-se de uma fotografia a preto e branco que alude a uma ideia nostálgica de futuro, a um imaginário sci-fi que pertenceu a uma memória coletiva de desenvolvimento, modernidade e tecnologia, que já provou a sua ineficácia, face ao estado do ambiente, e ao curso da humanidade.

No piso inferior encontra-se uma série de fotografias, que apresentam um casaco de cabedal captado em diferentes posições. Os vários títulos da série sugerem que o casaco representa um agente imobiliário em queda livre.

Ainda as enigmáticas peças circulares (ou “discos”), em madeira, cobertas por uma fita adesiva de cor metálica, com nomes de ruas de Lisboa, oferecem-nos deleite à vista e sugerem-nos diversidade, dado que são, no rebordo, compreendidas por configurações diferentes.

Por fim, a peça A home where dozens of pine nuts can live rent free, 2023, consiste num aquário de vidro, albergando uma pinha no seu interior.

Museu da Gentrificação, de Nikolai Nekh, está patente na Balcony até 2 de dezembro.

 

 

[1] https://www.publico.pt/2021/01/07/culturaipsilon/noticia/ha-museu-gentrificacao-construcao-nikolai-nekh-1945176

[2] Ibidem

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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