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A Bienal Jov’Arte 2023 e a melancolia à portuguesa

Pronto a levar: Melancolia à portuguesa servida com gotas biológicas de solidão.

Este deveria ser o título do texto. Entretanto, temos de anunciar ao leitor acerca do que o mesmo está prestes a debruçar-se sobre, nomeadamente o assunto (por assim dizer). Pelo título pretendido ser um bocado genérico, uma vez que podemos encontrar toda a composição do mesmo em qualquer esquina do país, seja num café ou no serviço público, faz se necessário discriminar que se trata de uma bienal de arte jovem. Captei a sua atenção com uma crítica social não solicitada? Então, vamos ao feature.

A Jov’arte | Bienal Jovem 2023 é uma iniciativa da Câmara Municipal de Loures, que tem por seu objetivo estimular a criação artística inovadora e distinguir o trabalho de jovens artistas. Por jovem, aqui, compreendem-se os de 18 aos 35 anos. Apesar do grande range de idade que distingue um jovem nos dias de hoje (a quem devemos culpar?), ainda assim a Jov’arte deste ano consegue explorar as múltiplas facetas da juventude de uma pessoa que se estabeleceu como um produto da lusofonia.

A inscrição dos candidatos é feita através de uma open call, onde as obras passam por três fases, nomeadamente a pré-seleção, a apresentação das obras e a sua respetiva seleção, além da atribuição dos prémios. Os três prémios monetários a serem atribuídos variam entre mil e dois mil euros, do último ao primeiro colocado, cujas obras serão integradas na Coleção Municipal de Artes Visuais. Além disso, o vencedor terá a oportunidade de realizar uma exposição individual em espaço municipal a decorrer posteriormente ao concurso.

O júri deste ano foi constituído por Fernando Lopes, Edgar Pires, Mariana Viana, Maria Peixoto Martins, Rita Leitão e Paulo Pires Vale, que juntos selecionaram os 27 jovens artistas que hoje expõem na Galeria Municipal Vieira da Silva, numa exposição organizada em razão da Bienal. Os selecionados são: Afonso Laranjeira, Beatriz de Castro, Beatriz Manteigas, Bernardo Cantigas, Daniel Xavier, Eduardo António, Eduardo Freitas, Filipa Branco Jaques, Gonçalo C. Silva, Guilherme Proença, Ildefonso Pontes, Leonardo Sousa, Lúcia Fernandes, Luísa Ramires, Madalena Bettencourt, Madalena Pequito, Margarida Fernandes, Margarida Franco Rodrigues, NAIDA, Nicoleta Sandulescu, Patrícia Rúbio, Pedro Cunha, Pedro Hugo Vilanova, Tiago Leonardo, Tito Chambino, Tristan Le Guay e Vítor Alves Silva.

Dentre eles, a Eduardo Freitas foi atribuído o primeiro prémio com a sua obra Cem em pregos (2022), a Patricia Rúbio com Sol Negro (2022-23) o segundo, e a Madalena Bettencourt o terceiro com Som, aqui tens voz (2022-23). Além disso, a menção honrosa foi atribuída a Pedro Cunha e a sua obra Ensaio sobre a experiência de ser inútil (2022-23). Já aos demais selecionados, foram atribuídos o título de finalistas.

Destaco aqui a obra de Eduardo Freitas, que apresenta-se como uma síntese temática desta exposição, pois reconhece imprescindivelmente a melancolia do jovem lusófono, um que é agarrado à natureza e às suas memórias primárias. Cem em pregos (2022) não nos conta (como uma história com fatos e narrativas) a personalidade lusófona, mas nos mostra através de cem pregos esculpidos em cerâmica vidrada a unidade cultural de uma nação mordida. Que vai ser mastigada, pedaço por pedaço, pela realidade dura de um contexto social frio, serviço em pratos quentes de um prego pedido num café qualquer. Barato, rápido e simples, inversamente proporcional às medidas necessárias para despontar a resolução necessária de uma problemática tão complexa. Cada prego de Freitas é único, assim como o estômago ácido de quem se atreva a engolir.

Patrícia Rúbio, também premiada, cria fósseis do passado recente em Sol Negro (2022-23). A quem pertence a nossa memória? As páginas do álbum de família? São perguntas que Rúbio instiga no espetador. Neste sentido, a artista assume o espaço negativo do gesso como linguagem e assume “o detalhe da superfície tocada”, assim como “a fragilidade deste processo”. Os vestígios contém textura, relevo, que novamente não nos contam histórias, mas nos mostram, como evidências da memória a serem resgatadas com a palma das mãos.

Madalena Bettencourt, a terceira premiada, expõe Som, aqui que tens voz (2022-23), onde explora o potencial escultórico do espaço sonoro. A artista procura convidar o espetador a perceber a relevância do som como um elemento espacial constitutivo.

Para também informar aos leitores acerca do que há para além das obras dos premiados, deixo mais quatro breve descrições, de highlights pessoais desta exposição, que também merecem a sua atenção.

Filipa Branco Jaques com Em espera (2022-23), a única obra localizada fora do edifício da galeria, constrói de maneira eficiente uma escultura sonora, ao colocar o espetador no centro de uma cabine telefónica, onde não se liga a ninguém, mas onde se ouvem os ruídos remanescentes de vidas anónimas.

Guilherme Proença esgravata o limiar entre a tensão e o apego em Hang In There (2022). Numa série de fotografias que exploram sítios abandonados em estados não convencionais e inexplicáveis. Destaco aqui a fotografia que revela em seu centro uma cruz adornada com flores decadentes.

Margarida Franco Rodrigues, com a sua obra Peito (2023), exala a angústia feminina e exalta todos os espinhos que atravessam a experiência de uma mulher.

Por fim, Tiago Leonardo nos traz a coisa mais triste que você vai ver sobre a intimidade: The saddest thing you will ever see (about intimacy) (2023) simula situações de intimidade só por simular, “imersas num clima solitário, rodeado de mentiras que tanto caracteriza a produção fotográfica como a própria arte”.

A exposição, patente até o dia 30 de março de 2024, definitivamente a não se perder, apresenta uma constelação de signos carregados. Únicos nos seus médias e motivos, carregando nos seus contornos o resumo da arte jovem deste país: melancólica, servida com gotas biológicas de solidão.

Maria Eduarda Wendhausen (Rio de Janeiro, 2000). Licenciada em Ciências da Arte e do Património pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e é aluna do mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte pela mesma instituição. Estudou também na Sotheby's Institute of Art no curso Writing for the Art World, From Idea to Submission. Atua como escritora e curadora na cidade de Lisboa, Portugal. Colaborou com o Manicómio no espaço de exposições Pavilhão31 e com a Carpe Diem Arte e Pesquisa. A sua última atuação como curadora, realizou-se na ARCOLisboa2022 com a exposição CRACK THE EGG do Prémio Arte Jovem Millennium bcp, em 2022. Em 2023, começou a colaborar com a CentralC como content manager. Escreve regularmente para revistas científicas e especializadas como freelancer no ramo da crítica da arte, assim como features e ensaios académicos, com o intuito de divulgar e promover para o público geral, as múltiplas facetas dos estudos artísticos e os seus desdobramentos na vida quotidiana.

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