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Conheça os selecionados ao Prémio Arte Jovem 2023

Ano passado, neste mesmo espaço virtual, escrevi um ensaio dedicado a contemplar as facetas que constituem o Prémio Arte Jovem Millennium BCP (PAJ). A partir da sua história, pôde-se analisar o seu desenvolvimento e consequentemente os seus efeitos inerentes. Na edição de 2022, os artistas premiados puderam experimentar (de maneiras distintas) progressões específicas nas suas carreiras. Como residências para além dos prémios e múltiplas exposições sucessivas, algo que confirma o intuito inicial do PAJ: o de catalisar reações em direção ao futuro profissional dos jovens artistas.

Neste ano de 2023, o sucesso do prémio confirma-se novamente pelo elevado número de inscrições. O júri, desta vez, foi composto pela dupla de artistas brasileiros Rosana Ricalde e Filipe Barbosa, assim como pela professora universitária brasileira Glória Diógenes e pela curadora canadiana Katherine Sirois, que determinaram em conjunto os dez selecionados para os prémios, mantendo a lógica anterior de serem entregues a todos os selecionados, de maneira horizontal, sem que nenhum dos prémios seja melhor do que o outro em valor.

Os selecionados deste ano revelam em si mesmos alguns nomes já conhecidos pelo cenário artístico português, pelas suas representações em galerias nacionais, ou pela participação em residências artísticas na cidade de Lisboa. Seja como for, os selecionados deste ano representam na sua totalidade o caráter de grandiosidade que os jovens artistas desta nova vaga detêm. Todos, sem nenhuma exceção, apreendem nas suas obras o sublime, no melhor sentido kantiano do termo.

Pela falta de distância histórica que nos separa da arte contemporânea, escrever sobre obras feitas no nosso tempo, caracterizá-las como pertencentes a um movimento específico e portanto julgá-las a partir deste enquadramento, torna-se uma tarefa impossível. Para tentar não ser encarada pelo abismo falacioso da poiesis da crítica da arte, este texto tem como o seu objetivo primário apresentar os selecionados, que expõem as suas obras no Pavilhão 31 (P31) localizado dentro do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Keeping it simple, a metodologia exploratória deste ensaio busca responder três perguntas:

Quem são os artistas selecionados?
O que eles estão a expor no P31 hoje?
O que é expor no P31?

Como já mencionado anteriormente, alguns dos artistas selecionados já apresentam vasta experiência anterior. Com portfólios que, entretanto, não se diferenciam em qualidade material ou estética. Algumas temáticas aparecem recorrentemente nos portfólios do selecionados ao PAJ 2023, como por exemplo a importância da prática artística, da performance, da elaboração em cima do quotidiano, da pesquisa acerca dos media, do media como veículo, ou mesmo como discurso. O que pode significar o surgimento de novas tendências e influências a serem percebidas no mercado artístico nos próximos anos.

Neste sentido – que rufem os tambores –, os 10 selecionados são:

Anastácia Marques (Sintra, Portugal), que se concentra na criação de peças escultóricas feitas com tecidos e outros materiais tidos como simples, explorando assuntos relacionados à ecologia e temas sociais. Expõe no P31 Actas (2020), Hoje é Primavera (2023) e Retalhos (2023). Apesar de não integrarem a mostra a decorrer, destaca-se também a sua série de fotografia ANIMUS (2021) pelo seu interesse estético.

Ânia Pais (S. Miguel, Portugal), assim como Marques, também trabalha os têxteis como média; entretanto, Pais caracteriza a própria obra como um trabalho performativo que começa no ateliê e se propaga para o espetador. Segundo a artista, a sua única obra em exposição, intitulada Uma vida debaixo de terra (2023), surgiu a partir da sua própria exploração da natureza. Ao vagar numa floresta próxima, anteriormente atingida por incêndios, identificou dois troncos remanescentes. Os vestígios, aqueles “corpos deixados, arrancados da vida”, a inspiraram a resgatá-los e levá-los ao ateliê, onde finalmente pode começar a concedê-los corpo e presença novamente. Incentivando e perpetuando o movimento.

Henrique Biatto (Belo Horizonte, Brasil) abrange as áreas de desenho, escultura e instalação, explorando objetos quotidianos como ponto de partida para uma reelaboração artística. Seu foco está na exploração do espaço e na investigação de situações, com ênfase no quotidiano e na ampliação de significados. Exibe Gaiola 2022, Left, right (2020), Orehla (2022) e Panorama (2021).

O trabalho de Hugo Castilho (Setúbal, Portugal) se manifesta na superfície da tela, explorando uma interseção entre escultura e desenho, muitas vezes através de formas tridimensionais. Suas obras ilustram também temas do quotidiano, experiências passadas e questões sociais. Expõe A avó toma 17 comprimidos por dia (2022), Alegria de viver! (2022) e Sopas, legos, provérbios, beijos, gritos e dedos do meio, avó, tu cuidaste de mim e eu retribuí, até ao fim (2023).

Joana Duarte (Vila Franca de Xira, Portugal) envolve a desconstrução e destruição de imagens fotográficas analógicas para desafiar a representação de uma infância feliz e familiar aparentemente idealizada. Ela explora a relação entre memória, imagem fotográfica e falsas lembranças, criando imagens fantasmagóricas por meio de processos químicos. O projeto em exposição A picture is worth a thousand lies (2021) questiona a natureza enganosa da fotografia na formação e manipulação de memórias.

João Motta Guedes (Lisboa, Portugal) apresenta duas das mais interessantes instalações da exposição, Monument to Kafka (2022) e Untitled (How small a thought it takes – after Wittgenstein and Steve Reich) (2022). Guedes utiliza discursos e narrativas poéticas para explorar de maneira onírica questões relacionadas à sociedade e à vida. Sua obra consiste em imagens carregadas de metáforas que incitam a reflexão, elevando o olhar do espectador a uma perspectiva utópica, e, ao fazê-lo, utiliza a poesia como meio de resposta para as perguntas levantadas.

Nas obras de Margarida Bolsa (Lisboa, Portugal), como em toda a sua prática artística, o material e a técnica estão ao serviço da ideia. Expõe A obra dos insultos (2022), Bons Sonhos (2022) e Sem título (2023). Segundo Bolsa: “A utilização de materiais e traços simples reforçam esta descomplicação mental e visual e constroem lentamente a relação entre dois pontos – afastados, conectados, circundados, unidos formando um só, que impreterivelmente mantém um tipo de interação e ligação”.

Mariana Maia Rocha (Porto, Portugal) explora a pele como uma metáfora para a ruína e a transformação, utilizando o látex para criar diálogos entre superfície, tempo e o corpo. Sua prática introduz elementos de luz, transparência e camadas para envolver o espetador na relação entre o visível e o invisível. Exibe Muro (2023), Porta – Até que a porta nos separe (2023) e Rua (2023).

Já Martîm (Funchal, Portugal) trabalha a temática do corpo sensorial num cenário de natureza fantástica, convidando à experiência de um espaço íntimo, onde a dualidade entre restrição e intimidade, natureza e urbanidade se entrecruza. O seu trabalho emprega uma paleta específica que cria uma atmosfera onírica e acolhedora, rica em símbolos e elementos simbólicos. Expõe Paraísos Urbanos III (2022) e Pneuma (2022)

Por fim, a artista Paula König (Alemanha), cuja sua prática envolve principalmente pintura, pesquisa e instalação, com foco em gestos poéticos e não extrativos que abrem espaço para imagens, histórias culturais específicas, dados científicos, emoções e cuidado. Expõe Cosmic Biographies, bye, bye until 50,000 years from now (2023), O sistema de irrigação da Chamaerops Humilis (2023), Para o Barroso… [conversa em traduções] (2023), Para o Barroso… [planta e pinhaI] (2023) e Zeit ist glitschig: across heathlands and heat waves (2023).

Como foi possível perceber, a exposição abarca um grande número de obras expostas, apresentando de um a seis trabalhos de cada artista, distribuídos a constituir núcleos distintos nos 200 metros quadrados de exposição do P31. Em 2023, a mostra possibilita uma boa apreciação individual de cada uma das peças, sem que os diferentes signos entrem em conflito entre si, um ponto positivo em relação à exposição do ano passado.

O espaço do P31 é uma heterotopia dupla, uma ideia foucaultiana que se refere a uma utopia localizada na nossa realidade (ou nosso espaço de atuação concreto). Ou seja, um deslocamento dentro da própria materialidade. Originalmente, o P31 era um armazém de um hospital psiquiátrico, mas foi transformado em espaço de arte contemporânea, exibindo regularmente obras de artistas associados ao Manicómio/P28, incluindo nesta exposição Filipe Cerqueira, bem como os artistas convidados do PAJ 2023.

Isso significa que os visitantes têm acesso a duas realidades: uma relacionada com o contexto do hospital psiquiátrico e outra com uma galeria de arte contemporânea. Onde nunca se esquece do primeiro e certamente este sempre influencia na existência do segundo, sendo assim um outro lugar que, ao se refazer, refaz também os sujeitos que estão no seu interior. Portanto, um bom sítio para um prémio de arte jovem, creio eu.

A atribuição dos prémios está marcada para o dia 9 de novembro e a exposição está patente até ao dia 11 deste mesmo mês. Indico-os a visitarem a exposição, a conhecerem os selecionados, assim como os seus respetivos prémios. Conversem com os artistas e procurem sentir alguma lufada de ar fresco, afinal de contas, é para isto que um prémio de arte jovem existe. Sem o público e sem a mudança que o acompanha, só estamos a gerar data e neverending tags nas redes sociais.

Maria Eduarda Wendhausen (Rio de Janeiro, 2000). Licenciada em Ciências da Arte e do Património pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e é aluna do mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte pela mesma instituição. Estudou também na Sotheby's Institute of Art no curso Writing for the Art World, From Idea to Submission. Atua como escritora e curadora na cidade de Lisboa, Portugal. Colaborou com o Manicómio no espaço de exposições Pavilhão31 e com a Carpe Diem Arte e Pesquisa. A sua última atuação como curadora, realizou-se na ARCOLisboa2022 com a exposição CRACK THE EGG do Prémio Arte Jovem Millennium bcp, em 2022. Em 2023, começou a colaborar com a CentralC como content manager. Escreve regularmente para revistas científicas e especializadas como freelancer no ramo da crítica da arte, assim como features e ensaios académicos, com o intuito de divulgar e promover para o público geral, as múltiplas facetas dos estudos artísticos e os seus desdobramentos na vida quotidiana.

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