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Drawing Room Lisboa 2023: Entrevista a Mónica Álvarez Careaga

O papel enquanto suporte e o desenho enquanto veículo do inquietante, do sentido e do fado. São estes os grandes anfitriões da Drawing Room Lisboa, que vê assim no ato de desenhar um fiel companheiro da Humanidade. Desde 2018 que todos os anos a Feira de Arte se instala na Sociedade Nacional de Belas Artes, onde se reúnem galerias e artistas nacionais e internacionais numa montra à criação artística e ao olhar dos seus autores à contemporaneidade.

2023 é também o ano em que se abraçam amigos de longa data: do Brasil à Espanha e até à Alemanha, num total de 23 galerias e 65 artistas, entre os quais se destacam Paula Rego, Ana Vidigal e Helena Almeida. Ao programa juntam-se ainda a exposição dos trabalhos dos finalistas ao Prémio FLAD, um programa de conversas Millennium Art Talks, o habitual espaço editorial e a secção Foco, este ano representada por artistas das Ilhas Baleares e com curadoria de João Silvério.

Entre 25 e 29 de outubro exalta-se o desenho, afirma-se o gesto e garante-se o seu lugar enquanto disciplina artística contemporânea. Num equilíbrio entre continuidade e renovação a 6ª edição está aqui, não para se cumprir ou rematar, antes para refletir sobre a evolução do ato de desenhar, em permanente transformação e de insaciáveis aspirações; tal e qual a Feira que lhe dá protagonismo.

Qual é a génese do projeto Drawing Room Lisboa?

Estávamos em 2016 quando fundei a Drawing Room Madrid. Já tinha organizado, como guest curator, várias secções de desenho na Art Beijing, na Swab Barcelona e em Bolonha e decidi propor a vários galeristas espanhóis uma feira especializada em desenho durante a semana da ARCO. A resposta da crítica e colecionadores foi muito boa.

Dois anos depois tive a intuição de que a feira funcionaria muito bem em Lisboa, porque os artistas portugueses trabalham muito com o meio desenho e tive todo o apoio da nossa presidente Ivânia Gallo com quem já tinha colaborado na ARTE LISBOA. Foi ela que sugeriu a Sociedade Nacional de Belas Artes e a partir daí foi tudo muito entusiasmante. Constituímos uma equipa totalmente portuguesa e conseguimos a participação das melhores galerias e apoios institucionais muito importantes, a começar pela Câmara Municipal de Lisboa e fundações como Millennium bcp, FLAD, Carmona e Costa, entre outras. Foi um caminho trilhado com muita paixão que nos fez chegar à 6ª edição de uma forma bem consolidada. Julgo que já marcámos o nosso espaço junto da cena artística portuguesa e que contribuímos para a crescente valorização do desenho. Agora resta, não descansar, e continuar o caminho atento e de busca de novas formas de evidenciar e valorizar o desenho e os seus artistas e galerias.

E porquê o desenho? Está o projeto aberto à fusão com outros formatos de expressão artística?

Desenhar é uma ação um tanto primitiva, que está relacionada com a marca que o nosso corpo deixa no mundo. Como disciplina artística é, seguramente, a primeira forma de manifestação do pensamento do criador e, portanto, de produção de imagens.

Por outro lado, as feiras voltadas para a produção contemporânea deveriam ser um reflexo do que os artistas estão a fazer a cada momento. Ao mesmo tempo, tende-se a discutir as antigas hierarquias e a buscar hibridizações. Os artistas reconhecem o desenho como um meio privilegiado para expressar as suas preocupações, misturando-o com a fotografia, com a instalação ou dispositivos performativos e com questões e técnicas pictóricas. O desenho expandido já permite um conjunto de fusões muito alargadas e a Drawing Room tem exibido formatos de fusão desde a primeira edição até aos dias de hoje, procurando essa panóplia representativa do Desenho.

Em poucas palavras, como podemos descrever o objetivo, a(s) prioridade(s) e a quem se destina a Drawing Room Lisboa?

A feira tem dois objetivos: acompanhar os galeristas no seu trabalho de mostrar e valorizar a criação dos artistas e promover o colecionismo de arte contemporânea atraindo novos compradores, que por via do desenho possam adquirir novas criações e as guardem com carinho para que vão constituindo um património de futuro. O desenho é um meio que permite reunir sobre a mesma disciplina artistas emergentes e consagrados e essa é uma das principais valências da Drawing Room, uma espécie de plataforma que acolhe todos por igual, que se destina a todas as pessoas com interesse em arte contemporânea, desde artistas, curadores, programadores, colecionadores, estudantes e todos os que nos queiram visitar.

Existe a cada edição da Drawing Room Lisboa a intenção de abordar questões e narrativas mais proeminentes atuais?

O trabalho dos artistas é muito rico e diverso e espelha já tantos aspetos da atualidade, que não pretendemos fechar a feira sob uma só temática ou propor orientações de qualquer espécie às galerias participantes. A Drawing Room deve ser o ponto e o contraponto da diversidade artística e deve ser a montra da criação artística e do olhar dos artistas à contemporaneidade. A título de exemplo, este ano apresentamos o foco dedicado às Ilhas Baleares e entre as obras selecionadas destaco a de Catalina Julve que faz uma instalação site specific, inspirada em imagens militares para criar um discurso sobre a dor causada pelas guerras ou a de Cristòfol Pons, autor de um fanzine com reflexão crítica sobre as macroestruturas do poder. Mais atualidade do que isto?

Ao longo destes 6 anos, 6 edições de Drawing Room, houve momentos de rutura ou mais significativos na sua história e que a tenham moldado naquilo que é hoje?

Destacaria desta pergunta, o facto de serem 6 anos e 6 edições consecutivas, sem paragens (2018 a 2023… e em contínuo). Como principais momentos, a primeira edição é marcante e definiu o caminho para continuar e depois claro, como momentos mais disruptivos, não poderia deixar de destacar 2020 e 2021, durante a pandemia, fomos a única feira de arte contemporânea a realizar-se de forma presencial em território português e isso foi muito significativo pela boa adesão dos galeristas, artistas, curadores e público e pela esperança que todos sentimos naquele momento. Essas edições foram quase exclusivamente portuguesas, porque os galeristas estrangeiros não podiam viajar, criámos simultaneamente uma feira online muito ambiciosa, com galerias de todo o mundo.

Estes esforços permitiram-nos no ano passado fazer uma edição extraordinária e levar-nos ainda a pensar sobre o caminho do futuro e da continuidade da Drawing Room Lisboa.

O que compreende a programação deste ano? Alguma novidade a destacar?

Damos sempre destaque às novidades da programação paralela, que é composta pela exposição dos finalistas do Prémio de Desenho FLAD, um programa extraordinário de conversas, Millennium Art Talks, para acompanhar com curadoria de Maria do Mar Fazenda, o espaço editorial selecionado por Filipa Valladares ou o Foco, que este ano apresenta trabalhos de artistas das Ilhas Baleares e que tem a curadoria de João Silvério, mas a excelência de uma feira de arte depende sempre das galerias que consegue atrair. O nosso Programa Geral, composto por 23 galerias portuguesas e internacionais, é necessariamente muito seletivo e este ano inclui o regresso de amis de longue date. Entre elas, as galerias lisboetas Graça Brandão, 111 e Balcony e a brasileira RV Cultura e Arte, que solicitaram aos seus artistas novas propostas para a nossa feira. Amigos mais recentes, mais já essenciais, fizeram o mesmo, como as galerias Vera Cortês, Jahn und Jahn, Pedro Cera, No-No e Monitor, que se juntam a nós para dar as boas-vindas à portuense Lehmann + Silva.

Diria que o projeto já chegou ao ponto que sempre ambicionaram ou há ainda algum desejo por realizar?

A Drawing Room foi muito bem recebida em Lisboa desde o início, mas foi no ano passado, na quinta edição da feira, que tivemos uma forte sensação de consolidação do projeto. As vendas foram muito importantes e o público muito grande. Aguardamos com expectativa esta 6ª edição de 25 a 29 de outubro.

Cada edição coloca desafios diferentes e sentimos que ainda há muitos desejos por realizar, acreditamos que é necessário haver uma constante reinvenção e adaptação e estamos atentos a isso. Uma feira como a Drawing Room nunca se cumpre, na verdade ela deve ser um reflexo da evolução do desenho contemporâneo, continuando em mutação e novos desejos.

Por falar em mutabilidade, vivemos numa realidade complexa, multifacetada, também ela em constante transformação. Como vê o desenho responder-lhe?

O desenho é um fiel companheiro da humanidade, um grande veículo para as suas preocupações. Eu nasci muito perto das Grutas de Altamira e desde muito jovem me transmitiram que podemos sentir-nos atraídos para determinada obra de arte por motivos de ordem estética, mas também pelo fator surpresa ou de compreensão. Os artistas levantam-nos muitas vezes questões com as suas obras, intrigam-nos em certo sentido. E é muitas vezes a partir deste levantar de questões, que encontramos as melhores respostas.

A Drawing Room Lisboa acontece de 25 a 29 de outubro na Sociedade Nacional de Belas Artes. Toda a informação essencial e o programa podem ser consultados em drawingroom.pt.

Mestre em Estudos Curatoriais pela Universidade de Coimbra, e com formação em Fotografia pelo Instituto Português de Fotografia do Porto, e em Planeamento e Gestão Cultural, Mafalda desenvolve o seu trabalho nas áreas de produção, comunicação e ativação, no âmbito dos Festivais de Fotografia e Artes Visuais - Encontros da Imagem, em Braga (Portugal) e Fotofestiwal, em Lodz (Polónia). Colaborou ainda com o Porto/Post/Doc: Film & Media Festival e o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Em 2020 foi uma das responsáveis pelo projeto curatorial da exposição “AEIOU: Os Espacialistas em Pro(ex)cesso”, desenvolvido no Colégio das Artes, da Universidade de Coimbra. Enquanto fotógrafa, esteve envolvida em projetos laboratoriais de fotografia analógica e programas educativos para o Silverlab (Porto) e a Passos Audiovisuais Associação Cultural (Braga), ao mesmo tempo que se dedica à fotografia num formato profissional ou de, forma espontânea, a projetos pessoais.

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