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Descentralização de Fundos para a Cultura @ RAMPA

No passado dia 22 de setembro, teve lugar a conferência Descentralização de Fundos para a Cultura, organizada pela associação cultural RAMPA e co-organizado pelo Goethe-Institut Portugal com moderação da investigadora e curadora Paula Parente Pinto. Tendo como premissa o reduzido financiamento para a cultura em Portugal; a insuficiência de verbas; a tendência para se favorecerem estruturas próximas do poder central e a instrumentalização da arte e da cultura pelos organismos políticos, foram exploradas na conferência estratégias de financiamento e de ações de agenciamento político para uma abordagem mais equitativa e democrática no ambiente cultural do país, através das diretivas diferenciadas das conferencistas convidadas: Paula Guerra na área da sociologia; Eduarda Neves no campo da política e estética; e Ana Carvalho no campo da economia e gestão cultural.

No âmbito da questão da descentralização de fundos para a cultura, a intervenção de Ana Carvalho começou por situar a discussão em termos teóricos, enquadrando-a nas suas áreas de atuação e estudo: economia e políticas culturais. Abordando a distinção entre descentralização e desconcentração, seguiu-se uma discussão relacionada com a democratização e democracia cultural, estabelecendo-se pontes com a realidade portuguesa.

Defendendo a necessidade de implementação de políticas culturais concertadas e articuladas, Ana Carvalho destaca, no contexto político e administrativo, a descentralização, princípio que está consagrado na nossa Constituição, mas que carece de uma definição eficiente e estruturada para a sua implementação na área da cultura. Em termos de descentralização as entidades para as quais são transferidas as competências têm uma personalidade jurídica autónoma, não havendo uma hierarquia nem uma subordinação política direta. Em termos de desconcentração há uma subordinação em termos de decisão, há uma hierarquia e uma subordinação política nos órgãos que operam esses serviços desconcentrados em que há administração direta do estado. Na política cultural portuguesa, Ana Carvalho salienta que a partir de 1995 houve uma política concertada em termos culturais com a criação das Direções Regionais de Cultura que tinham o intuito de fazer uma desconcentração da intervenção estatal em termos territoriais, não se tendo tratado apenas de uma desconcentração funcional. A propósito de iniciativas de desconcentração e descentralização, Ana Carvalho pontua para além da criação das Direções Regionais da Cultura; o Programa Laboratório de Artes; a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses; e a Lei Base das Competências enquanto ponto de viragem de competências que sempre estiveram no Estado Central para as autarquias, sublinhando, no entanto, que esta legislação que sai da área cultural, desta transferência de competências, é uma legislação avulso porque neste momento parece-me que o grande problema da política cultural em Portugal é não haver uma política cultural, não há nada escrito, considerando que estas competências precisam de ser pensadas a nível regional.

Paralelamente ao conceito de descentralização na gestão das políticas culturais, Ana Carvalho considera crucial estender a reflexão aos conceitos de democratização e democracia cultural. A democratização cultural relaciona-se com a participação dos atores a quem as políticas se dirigem, promovendo a equidade de acesso no âmbito de políticas culturais e a intervenção do estado para manter a cultura acessível à generalidade de públicos. A ideia de democracia cultural sublinha a importância da pluralidade e participação dos públicos no desenho das políticas e agendas culturais. Ana Carvalho defende que a democracia cultural deve gozar da descentralização e pensar, dentro das repartições que existem, como podemos incluir hipóteses de democracia cultural e de participação dos cidadãos. Citando o sociólogo J. M. Teixeira Lopes, Ana Carvalho conclui sublinhando que, colocar os públicos no centro das políticas culturais é um importante ponto de partida para se desenhar uma boa política cultural.

Para Eduarda Neves as reivindicações financeiras nem sempre se organizam numa rigorosa análise de gestão das estratégias e das políticas culturais das autarquias, sublinhando que os orçamentos e investimentos das câmaras municipais para a cultura se movem por interesses eleitoralistas, muitas vezes sem a participação dos cidadãos, sem qualquer estratégica ou sustentação dos projetos. Apesar da transferência de competências para os municípios questiona se a exigência de mais financiamento do Estado central se articula com o rigor das políticas culturais locais ou cumprimento da sua missão de serviço público cultural.

Segundo Eduarda Neves são diversas as autarquias a não possuírem planos estratégicos de política cultural e não são raras as vezes em que a política cultural da autarquia reflete o gosto do seu presidente. Na sua óptica, as políticas de descentralização parecem não produzir centralidades significativas na maior parte do território nacional e à imagem do Estado estas teias de interesse locais constituem-se como modelo de dominação, entrando de forma permanente no círculo de instrumentos de controle cultural.

Destacando assimetrias no acesso aos bens culturais, considera que a municipalização da cultura poderia afirmar-se no alargamento dos cidadãos, dos agentes e dos públicos enquanto instrumentos de participação e de criação cívica, favorecendo a vitalidade do tecido político, social e cultural. Assim como o Estado não coloca a arte e a cultura na sua área de prioridades, para Eduarda Neves a administração local tende a usar a cultura como prática subalterna em ornamento da gestão política. Referindo as enormes dificuldades que os municípios portugueses têm na definição e implementação das políticas culturais, embora evidenciando o importante papel que agentes culturais do sector privado têm no desenvolvimento de programas e projetos que contribuem para que o direito à cultura se cumpra, considera que o sector privado submete-se ao sector público através de concursos, regulamentos e júris (…) atos de obediência que reafirmam a hierarquia e a ordem racional que visam preservar a cultura oficial.

A apropriação da cultura no contexto de economia do mercado livre origina uma política autoritária que confere aos diversos poderes o direito moral para governar. Questionando o papel das instituições e discursos que agem como mediadores de autoridade das empresas da cultura dominante, Eduarda Neves considera que os apoios privados e outras espécies de financiamento cultural tornam-se ferramentas do jogo eleitoral, tanto para os governos como para o poder local, em que museus e galerias são constrangidos a procurar financiamentos que se cruzam e completam. Considera que a arte para a comunidade está a tornar-se uma categoria da democracia e que a descentralização, ao serviço de um poder autoritário, é usada como desresponsabilização do Estado em benefício de novos atores e modelos de regulação libertos da sua tutela. Entre o centro e a periferia todas as partes se tornam fundamentais ao eficaz funcionamento da máquina, ora nenhuma cidade pode ser contentor pois os que nela habitam devem ser parte integrante na sua construção e talvez aqui resida um dos polos urgentes de revolução da vida quotidiana

Refletindo sobre os novos desafios às políticas culturais locais, catalisadoras de dinâmicas de criatividade e de interface artístico, lúdico e cultural, Paula Guerra apresentou como modelo ilustrativo, o caso da política cultural local de Lisboa desenvolvida na última década.

De acordo com Paula Guerra a nova abordagem da política cultural advém da sua articulação com outras políticas públicas, nomeadamente de reabilitação urbana, de turismo, de inclusão social, ou para a promoção da marca local e captação de residentes e moradores, numa lógica de alavancagem cultural do desenvolvimento local.

A propósito do que permitem atualmente as políticas culturais locais PG enumera: a diversificação dos recursos educativos e de aprendizagem locais; a inclusão de segmentos excluídos da população; a potenciação da competividade e desenvolvimento cultural dos territórios; a promoção da reabilitação e regeneração de ativos urbanos abandonados; a criação de um contexto favorável à criatividade e inovação; a possibilidade e flexibilização da participação ativa e cidadania, reafirmando à semelhança de Ana Carvalho que a grande questão de base é a ausência de regionalização.

Tomando como objeto de ilustração o caso da capital portuguesa e tendo por base as Agendas Culturais de Lisboa referentes ao ano de 2015, a análise das atividades artísticas culturais revela-nos que são os espetáculos de música, teatro e dança que predominam, sendo de destacar a sua importância numa lógica de fonte de rendimento e crescimento económico. De salientar o número de aulas, cursos, workshops, seminários e debates que formam uma rede de recursos educativos capazes de promover a aculturação e qualificação da população para o desenvolvimento de Lisboa enquanto artopia, e último número referente aos festivais, revelador da importância assumida por este formato no quadro da programação cultural.

Lisboa enquanto cidade possui as condições necessárias para se elevar enquanto metrópole, constituindo-se como um centro de cultura atrativo pela sua fruição cultural. No entanto existem desafios, nomeadamente a centralização das práticas culturais num conjunto de zonas e freguesias lisboetas que monopolizam as práticas e infraestruturas culturais da cidade – referimo-nos a fenómenos como a intervenção/reabilitação urbana, gentrificação, aumento das rendas de habitação, barulho, sujidade. Paula Guerra conclui reafirmando que o sucesso ou insucesso de todas as políticas culturais locais depende da capacidade da autarquia responder a estes fatores e evitar que a cultura seja mais um fator de desigualdade urbana e os desafios são pensados nas complexidades, em que há sempre os atores que estão envolvidos nas políticas, nos contextos, nas disciplinas e nas hierarquias.

Mafalda Teixeira mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d'Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.

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