O Desenho como Pensamento: Ver no Escuro
Ver no Escuro trata-se de uma exposição coletiva, com curadoria de Ana Anacleto, que ocupa o espaço expositivo do Centro de Artes de Águeda, no contexto da segunda edição do ciclo de exposições e conversas O Desenho como Pensamento, com direção artística de Alexandre Baptista.
Nesta exposição, de âmago essencialmente ensaístico, Ana Anacleto parte de um texto que poderá ser considerado o preâmbulo desta mostra e, consequentemente, a porta de entrada para o conceito curatorial aplicado. Trata-se de Um Lugar a Menos, de Miguel-Manso, onde o autor refere o “desenho do desenho do desenho”[1], entre conceitos como o suporte, o gesto, a consciência, o apagamento e a condição da permanente ineficácia no registo do representado. Desenhar é-nos assim apresentado como um gesto que ecoa em várias dimensões, inclusive do lado de lá do suporte, afinal “apagar um desenho é fazê-lo aparecer do outro lado”[2]. Estas ideias de Miguel-Manso são cruzadas com a obra de Jacques Derrida, intitulada Memórias de Cego: O auto-retrato e outras ruínas, nome que o filósofo deu à exposição com a sua curadoria, pensada como resposta a um repto do Museu do Louvre ao idealizar, no início dos anos 90, um ciclo de exposições com curadoria de personalidades exteriores ao meio das artes visuais. Neste texto, Derrida aborda, entre vários aspetos, a relação entre a observação direta e a memória do observado, – o que se ganha e o que se perde entre ver e desenhar – na conclusão de que a memória do que vemos acaba por saciar a sua inevitável incompletude na relação com a imaginação. É neste confronto que se dá o dealbar do desenho. Assim, Ver no Escuro é um convite a isso mesmo, através das obras de 26 artistas que exploram o desenho no seu campo expandido, mas que, mais importante, são funambulistas na linha que separa a consciência do visível e da imaginação que o preenche, distorce, altera. Em cada uma das obras há um jogo de resistência que ora vinca ora esbate esse ténue traço por onde, claudicante, caminha o artista. O desenho que quer ser palavra, como em Na Direcção da Luz, de Horácio Frutuoso, o desenho que reivindica ao real o seu espaço, através do traço, como em Sem Título, de Gonçalo Barreiros, a problematização do suporte, visível na obra de Dayana Lucas Antropofagias II (1/3) e o gesto duschampiano de Noé Sendas, com Woman climbing the staircase (Frau de Treppe Hinaufsteight) são, a par de todas as outras obras, possibilidades expansoras, críticas e (in)definidoras do desenho.
Ver no Escuro pode ser vista até dia 30 de setembro. Conta com obras de Alice Geirinhas, Ana Jotta, AnaMary Bilbao, Bruno Cidra, Carlos Noronha Feio, Catarina Lopes Vicente, Cláudia Guerreiro, Cristina Ataíde, Daniel Fernandes, Dayana Lucas, Diogo Bolota, Francisca Carvalho, Gonçalo Barreiros, Horácio Frutuoso, Isabel Carvalho, Joana Fervença, Jorge Queiroz, Mariana Gomes, Mattia Denisse, Noé Sendas, Pedro A. H. Paixão, Pedro Barateiro, Pedro Henriques, Rui Horta Pereira, Sara Bichão, Sara Chang Yan.
[1] Miguel-Manso (2012). Um Lugar a Menos. Lisboa: edição de autor. p.63
[2] Idem.