They swirl (because we swirl): André Costa e Inês Mendes Leal na Brotéria
Inaugurada na Brotéria a 1 de agosto – o primeiro dia de um mês no qual o vento, outrora bastante presente, parece abandonar Lisboa –, a exposição They swirl, do brasileiro André Costa e da portuguesa Inês Mendes Leal, devolve-nos um pouco do ar fresco que já fazia falta. Entre instalações, pinturas, bordados e objetos recolhidos, um conjunto de sete obras parte da imagem e da ciência do vento para pensar o encontro entre dois corpos distintos.
Viajante nómade e incapturável, prenúncio de temporalidades por vir ou rotas de tempos passados, marcador de espaços e vazios, o vento – assim como a água, o fogo e a terra – têm servido, também, como rubrica analítica para o pensamento ecológico e decolonial. É o caso, por exemplo, da mais recente edição da Bienal de Liverpool, curada por Khanyisile Mbongwa: ao eleger como mote a palavra “uMoya” – do isiZulu “vento”, “sopro” ou “espírito” –, a socióloga e curadora sul-africana aborda a intervenção conceitual do vento na cidade portuária, que arrepia os cabelos e agita a alma. Como se sentia o vento nos ossos dos seus antepassados? Como pode o ar – e a falta dele, dos porões dos navios tumbeiros ao assassinato de George Floyd – tornar-se uma resposta somática à violência, mas também ao prazer e à conexão intergeracional e mais-que-humana?
Em They swirl – título emprestado da canção The Word Hurricane, do duo francês AIR –, são muitos os caminhos por onde o vento pode nos levar. Sem dúvida, é possível pensar nesta abordagem elementar como ponto de partida para uma conversa sobre as próprias distâncias e influências entre os artistas, seus corpos, suas práticas, suas origens. Em várias escalas, o ar e os seus trajetos são manifestações físicas – embora sem cor nem forma – da alteridade, do contraste entre massas, temperaturas, velocidades. Se o foco desloca-se para a perceção do vento, também o instante ou o lugar do encontro perde a nitidez; afinal, como bem nos mostra o vídeo Weather report (2023), dois pontos podem nunca existirem no mesmo espaço e, ainda assim, afetarem-se pelo mesmo movimento. No experimento Som a soprar (2023), de Inês Mendes Leal, ou nas deformações montanhosas em Mexível #3 (2023), de André Costa, passeamos com os olhos e os ouvidos sobre uma força recém-passada, algo que já se fez sentir e continua, contudo, a produzir e reproduzir os seus efeitos – não se deve esquecer que, desde Aristóteles, na definição de “toque” cabe tanto o tangível quanto o intangível.
Esta é também uma questão que interessa, e sempre interessou, à estética: que imagem poderá ter aquilo que, a rigor, é irrepresentável? Ou, ainda, como se compõe uma imagem que se aproxime mais de uma sensação corpórea do que uma ilustração visual? É possível que uma imagem tome o lugar da coisa em si e deixe, então, de ser meramente aparência? O espaço entre André e Inês, aqui, fica mais estreito: no corpo de trabalho de ambos os artistas, há uma preocupação particular com a desconstrução do pictórico, com a descoberta das potencialidades quase escultóricas de uma figura. Mais do que um processo de redução à “forma pura”, trata-se de investigar de que maneiras a materialidade de uma imagem também se pode contaminar e transformar com os gestos no mundo.
Para Inês, que passou a infância num barco à vela, é o mar que melhor assume a imagem do vento. Nas suas criações, está sempre implícito o ato ou o jogo de espiralar – das águas, dos redemoinhos, do tempo –, recordando-nos de que há sempre algum descontrolo, algum risco, na ideia de navegar o ar. Por muito tempo, contava-se nas escolas brasileiras (quiçá também em Portugal?) que Pedro Álvares Cabral havia chegado às terras indígenas por acaso, após a esquadra que comandava desviar-se da rota inicial devido a uma tempestade. Embora já há muito se desconfie desta história, demasiado “acidental”, They swirlparece tecer também um comentário crítico sobre esta jornada ocidental de conquista dos ventos, tão presente no imaginário português e colonial (Gabinete de Curiosidades, 2023). Na verdade, o vento e os seus itinerários serão sempre tão imprevisíveis quanto o são os corpos que circulam e se espaçam no mundo. É esta surpresa que funda a sua (nossa) liberdade.
They swirl está patente na Brotéria, em Lisboa, até 16 de setembro de 2023.