Leaky Abstraction – a criação como uma busca constante
Não é um percurso completo, é uma amostra. A exposição de uma sala de Ana Cardoso, finalista do prémio Novos Artistas Fundação EDP do MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, o contexto que dá origem à exposição, é um trailer de tudo o que está por vir.
A entrada apresenta-nos ensaios mais recentes, fora da zona de conforto da artista com uma cortina feita de tiras de tela em tons de amarelo a cinzento, estando o próprio processo de tingimento em destaque. Esta peça contrasta com o resto da exposição.
A influência do modernismo é muito clara na abordagem à pintura: desdobrando cores e paletas autónomas de formas, numa síntese de Matisse e Rothko, mas incluindo resquícios de figuração em máscaras ou animais, não é de pura reprodução que se trata. O desenho apresenta-se para completar a pintura, de forma discreta, dando um traço abstracionista ao que poderia ser uma experiência puramente cromática.
É, no entanto, o aspeto tridimensional da sua obra que é central, ao fazer experiências com os próprios elementos constituintes dos quadros. A sua assinatura parecem ser os shaped canvas de cores vivas. Estas telas recortadas com geometrias rigorosas, no seguimento de artistas como Ellsworth Kelly ou Neil Williams, e transversais à exposição adquirem nova dimensão espacial em duas obras em ziguezague que ocupam a maior parede da sala – uma com cores chamativas, outra com cores tingidas com pigmentos naturais.
Visto como uma reação ao modernismo e expressionismo abstrato, o minimalismo de Kelly e Williams tem os seus alicerces na cena nova-iorquina. A vivência biográfica da artista nesta cidade parece ter tido um impacto profundo, ou pelo menos aprofundado um interesse pré-existente, no seu percurso artístico. A sua criação parece mesmo derivar de uma síntese dos vários movimentos artísticos do século XX, aos quais acrescenta uma busca identitária constante.
Um outro aspeto interessante da obra de Ana Cardoso é a desconexão propositada entre as obras e os títulos. Nomes como Guardanapo-Dobrado ou Comer com as Mãos obrigam o espetador a procurar relações entre a palavra e a imagem que são pouco evidentes, quando existentes. Um outro título de uma obra em clara homenagem a Jack O’Diamonds do já referido Williams, este abertamente relacionado com as cores do quadro, releva para o aspeto imediato de imagens para que elas nos transportam: Vinagre de ameixa yogurte de cabra leite de aveia.
Por fim, num curto filme a meio da exposição, a artista transporta uma das suas telas triangulares pelos lugares onde passa numas férias em família, imagens essas que antecedem o quadro que integra esse material. Prolonga-se, assim, a experiência de construção artística. Esta é uma boa representação da sua relação com a pintura. Afinal, a melhor definição do trabalho de Ana Cardoso é feita nas palavras do Museu Nacional de Arte Contemporânea – a sua pintura é «uma performance em curso» (Echoes on the Wall – Artistas Portugueses no Estrangeiro, MNAC, 2015).
A exposição Leaky Abstraction de Ana Cardoso, curada por João Pinharanda, está presente no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia até 17 de setembro.