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Interstício de Inês Moura no CAV

Interstício, exposição de Inês Moura no Centro de Artes Visuais [CAV], em Coimbra, é um exercício essencialmente de absência.

Constituída por três momentos que se completam, somos recebidos com aquela que diria ser a peça nuclear: Chamei-lhe “Pedra” é o nome dado pela artista a uma instalação composta por uma pedra antropomórfica, por si encontrada, que aqui assenta numa estrutura de ferro plasmada com uma intenção de influir um certo movimento rotativo, uma certa sensação giratória. Dada esta feição do ferro, pensamos numa ação em potência do objeto. Sobre esta pedra, paira um prumo. Entre os dois, paira uma ausência, um diálogo concomitantemente de atração e repulsa e, claro está, de tensão. É precisamente nesse espaço materialmente vazio que reside o interstício. No texto da folha de sala, escrito pelo curador da exposição, Miguel von Hafe Pérez, a pedra é-nos apresentada como uma “ficção desviante” – o âmago desta exposição ocupa, paradoxalmente, o seu exterior – ou, se quisermos, o seu invisível ou, ainda, o seu revés.

O movimento em potência há pouco referido ganha uma maior presença quando olhamos o conjunto de fotografias intitulado Rodei sobre mim mesma, na esperança de entender o mundo ao qual pertenço – aqui, 50 fotografias da pedra permitem que a entendamos em toda a sua volta. O espectador não está coibido de o fazer à volta do referido objeto, no espaço expositivo, no entanto, este conjunto fotográfico explora conceptualmente as suas possibilidades de representação sem que isso provoque uma relação direta com o corpo – bastará o olhar e o movimento da cabeça.

Por último, Desenhar com o Caminho apresenta-nos três manchas circulares com três diferentes pigmentos (argila amarela, carvão e argila vermelha) recolhidos de um caminho percorrido pela artista, que, ao serem apresentados na parede do espaço expositivo, adquirem uma nova condição. O caminho, para Inês Moura, é, nas suas palavras (como aliás está registado na folha de sala), o ponto de partida. Nele encontra o silêncio que lhe é necessário.

Uma última nota sobre o interstício: entre 2018 e 2019, Miguel von Hafe Pérez foi o curador de Instersticial: diálogos no espaço entre acontecimentos, uma exposição com dois momentos, no Centro de Arte Oliva, em São João da Madeira, com obras da Coleção Norlinda e José Lima. Por essa altura, Miguel von Hafe Pérez descobre, em conversa com Andreia Magalhães, a diretora da referida instituição, que a ciência acabara de apresentar um órgão do corpo humano denominado interstício:

“trata-se de uma rede de cavidades de colagénio e elastina, cheia de líquido, que reuniria mais de um quinto de todo o fluído do organismo. Metáfora perfeita para estes interstícios (ou acontecimentos) que (…) perfazem uma unidade de sentido na leitura direcionada que uma curadoria pretende instaurar, mediante essas associações em forma de obra-espaço-obra-espaço, e assim consecutivamente”[1].

E que melhor designação para Chamei-lhe Pedra que obra-espaço?

Pensemos nisso, em redor da pedra.

Interstício integra o Ciclo a vida, apesar dela, com curadoria de Miguel von Hafe Pérez, podendo ser visitada até 10 de setembro.

 

[1] Pérez, Miguel von Hafe. (2019). Intersticial: diálogos no espaço entre acontecimentos. S. João da Madeira: Câmara Municipal de S. João da Madeira. p. 23.

Daniel Madeira (Coimbra, 1992) é licenciado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Curatoriais pelo Colégio das Artes da mesma universidade. Coordenou, entre 2018 e 2021, o Espaço Expositivo e o Projeto Educativo do Centro de Artes de Águeda. Atualmente, colabora com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC).

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