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Moita Macedo e Edgar Pires: dissonância espacial, diálogo temporal

Duas exposições estão agora presentes na Galeria Municipal Vieira da Silva: Na noite um cavalo dança (6 de maio a 14 de outubro) de Moita Macedo e Stranger than Paradise (27 de maio a 26 de agosto) de Edgar Pires. Cada uma rema para seu lado, havendo um contraste incontornável que reflete os contextos geracionais das suas criações.

Os temas da nova antologia da obra de Moita Macedo estão divididos por núcleos e são um resumo dos seus interesses filosóficos, a que sempre chamou “memografias”.

D. Quixote é desenhado em traços a tinta-da-china, figura épica por excelência da aventura e da imaginação. A representação da cidade é sombria, feita em vários quadros de blocos de cor sobrepostos, e tomando o título de Labirinto(s): “cortejos de hipnotizados cabisbaixos, figuras repetidas de somadas solidões numa contradição permanente entre a liberdade individual e um oprimente destino coletivo” (texto de parede). O tema da crucificação é central na sua obra e na exposição, não numa iconografia sacra, antes numa reflexão a vermelho e cores neutras (aliás transversal à exposição, mesmo quando apenas presente nas molduras) sobre o significado deste gesto e no que ele nos diz sobre a humanidade – dos seus perpetradores, mas também do sacrifício feito em nome do que haverá de bom em nós.

É neste último tema que se torna mais clara a técnica do artista próxima do informalismo e que evoluirá para o gestualismo (Branco, Alice Tomaz, A Libertação in Moita Macedo: 1930-1983, Portugal, Caleidoscópio, pp. 47-69). A cor e as camadas de tinta estão sempre presentes em pinceladas livres, com figuras humanas vagamente contornadas. A sua técnica é uma representação importante de um certo momento estilístico que acompanha o que de melhor se fez nessas décadas na arte a nível internacional.

Depois, caravelas remetem para o seu serviço militar cumprido ainda na Índia portuguesa. Estas fazem-se acompanhar por pinturas com influências asiáticas, no que é provavelmente dos momentos mais interessantes da exposição: o fundo amarelo, e aquele amarelo em específico, é uma opção estética que revela o fascínio pelo mundo asiático a que teve algum acesso na juventude e parece ter continuado a acompanhar.

Os desenhos centram-se, por sua vez, em figuras humanas pouco definidas. Entre elas está um bloco de seis desenhos a esferográfica, doado por Paulo Macedo, filho do artista, à Câmara Municipal de Loures e que está na origem da exposição (um mote, mais do que uma contribuição significativa). Por fim, uma chamada de atenção para a poesia, que sempre acompanhou o seu percurso nas artes plásticas, num outro conjunto de seis obras a carvão legendadas os seus próprios poemas (Todas. Mas todas as bandeiras/ (Sem o Homem) / São farrapos de ideias).

Num segundo espaço da mesma galeria, uma só sala iluminada do exterior dá lugar à exposição de Edgar Pires. O autor, que conta com mais de dez anos de experiência em exposições individuais e coletivas, ganhou uma Menção Honrosa em Aveiro e um Prémio da Fundação Marquês de Pombal, ambos na qualidade de Jovem Artista. As experiências site specific do artista com os materiais são o oposto dos materiais clássicos e núcleos temáticos de Moita Macedo, desorientando momentaneamente o espetador.

Seja fatiada em rodelas ou de forma longilínea, há uma recriação de imagens de troncos de árvore, lado a lado com pequenas bolas metálicas que poderiam ter saído de um jogo de berlindes de maiores proporções. Numa parede, um recorte quadrado, feito de ferrugem e vidro, lembra âmbar espalmado. Acresce a este ambiente reminiscente da natureza e de ar livre o contraste com o espaço feito de materiais industriais (vidro, tijolo exposto, metal), conseguindo um efeito de abertura do interior ao que pode estar lá fora.

O interesse de Pires em trabalhar com materiais deste tipo e a sua interação com jogos de luz radicam numa perspetiva da arte que manuseia o espaço envolvente e o pensa como uma experiência. Ao invés a obra de Macedo, confina-se ao espaço da tela, estando o autor preocupado em sentir valores e paisagens. São duas linhas que não se intersetam.

Inês Almeida (Lisboa, 1993) é licenciada em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, é mestre e doutoranda em História Contemporânea pela mesma instituição. Recentemente terminou a Pós-Graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do colectivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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