do arquivo do acervo – Obras da Coleção Figueiredo Ribeiro
A exposição do arquivo do acervo, com curadoria de João Silvério, reúne, no Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes, 55 obras da Coleção Figueiredo Ribeiro, de 24 artistas. Está patente até ao dia 19 de novembro.
Partindo do jogo semântico que intitula esta exposição e que norteia todo o gesto curatorial, entendemos a coleção, evidentemente, como um acervo – um conjunto de bens com um proprietário; e a exposição como um arquivo – a organização do acervo sob determinada lógica: a catalogação, se preferirmos e se nos quisermos aproximar de uma linguagem mais arquivística. Este exercício curatorial explana de modo direto o que, afinal, se faz quando se trabalha uma coleção (um acervo): reorganiza-se uma parte, cataloga-se, mediante uma determinada lógica discursiva, por vezes efémera enquanto matéria experienciável, mas que se quererá permanente no arquivo do próprio acervo. Perante uma coleção de arte contemporânea devemos aceitar a simultaneidade arquivística (o arquivo deve apenas ser único em termos puramente museológicos). Deste modo, qualquer exposição a partir de uma coleção revela-se como um outro seu arquivo, um outro seu modo de ser vista e pensada.
Seguindo uma lógica de organização por autor, as temáticas desta exposição centram-se essencialmente na paisagem e na figura humana, através da pintura, do desenho, da gravura, da fotografia e da escultura. Ocupando duas salas, cujas diferenças arquitetónicas contribuíram certamente para a escolha das obras que as ocupam – a relação de proporção com o corpo humano intensifica-se na segunda sala, mais estreita e com as obras de maior dimensão, por exemplo.
Esta relação com a ideia de arquivo e de acervo materializa-se em alguns dos trabalhos expostos, tornando-os o suporte plástico do pensamento curatorial. Neste ponto, considero importante mencionar A Caixa, de Vasco Araújo, uma peça de parede que contém um texto baseado n’ A revoada, de Gabriel Garcia Márquez, desvelado no dia da inauguração pelo curador e Archivo III, de Nuno Nunes-Ferreira, um antigo móvel de tipografia com imagens fotográficas fotocopiadas e coladas em MDF de personalidades e manchetes jornalísticas de grande importância histórica, arquivadas/organizadas sob uma lógica aparentemente impercetível.
Recuemos à primeira sala, e vejamos I’ll Be Watching You, de Tiago Alexandre: um conjunto de nove cabeças de barro com bonés, que juntas remetem para a letra da canção Every Breath You Take da banda britânica The Police. Não há qualquer componente sonora nesta peça, mas a organização (arquivo) dos seus elementos numa determinada ordem cria esta ressonância que vive da mente de quem a olha, ao remeter para um elemento pop facilmente reconhecível, a priori. Também é isto um arquivo: um ordenar ressonante. De outra forma: não esquecer o invisível quando se arquiva o visível. Reside aqui um ponto de interseção entre o gesto curatorial e o gesto arquivístico, de vários.
Uma coleção de arte contemporânea é, também ela, um acervo de vestígios dos acontecimentos que compõem essa entidade abstrata chamada tempo, independentemente da sua relevância histórica. O que sobra do que, de algum modo, nos é coevo e que felizmente é coletado e transmutado por essa figura demiúrgica: o artista.
do arquivo do acervo conta com obras de Alberto Carneiro, Albuquerque Mendes, Alexandre Baptista, Ana Caetano, Ana Jotta, Ana Manso, Ana Pérez-Quiroga, Ana Vidigal, Ângela Ferreira, Carla Cabanas, Carla Rebelo, Carlos Alberto Correia, Constança Arouca, Domingos Rego, Edgar Massul, Fátima Frade Reis, Fernão Cruz, Isabel Baraona, João Tabarra, Julião Sarmento, Nuno Nunes-Ferreira, Susana Mendes Silva, Tiago Alexandre, Vasco Araújo.