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Fogo Posto: Diana Policarpo & Odete na Lehmann + Silva

«We are free. Freed. Liberated from the prison they called Institute for Scientific Research. Tonight we rise with the desire for a new science. The new world has no place for the science of our ancestors. A violent imagining of the structures of the world. To envision a new future we have to destroy the words with which we explain this world». Excerto do Prólogo de Fogo Posto (2023), revelador de um tom de ficção científica, ou de narrativa mitológica da exposição porvir. Uma espécie de manifesto para um novo futuro, não numa lógica de racionalidade e empirismo científico, mas numa outra construção do passado, leia-se História, não tendo como base uma estrutura eurocêntrica, branca e patriarcal, mas na representatividade de todos os corpos, seres vivos e não vivos, segundo a imaginação e a magia, numa recusa até das palavras com que damos significado ao mundo.

Fogo Posto (2023) de Diana Policarpo & Odete, patente na Lehmann + Silva, a segunda instalação da dupla de artistas, no seguimento de LYSIS (2021), surge de um pensamento e experiência de vida em comum, resultando num trabalho multidisciplinar, em que a junção de várias práticas artísticas, como a imagem em movimento, o som, o texto, ou o desenho, assim como a criação de uma cenografia no espaço expositivo, quer na disposição dos diferentes ecrãs, no chão repleto de areia, na sonoplastia, ou na iluminação pontual e dramática, conferem uma teatralidade e a possibilidade de um percurso ao espectador, que o leva justamente para um mundo cinematográfico. No ambiente criado no primeiro piso da galeria, um tríptico de vídeos enlaça a narrativa transversal a toda a exposição, a história de Lyra e Dafne, personagens que iniciam um movimento político ficcional em LYSIS (2021). E que agora, em Fogo Posto, se num dos vídeos assistimos a personagens a viverem numa comuna experimental num mundo após esse movimento, em que o pensamento racional já não existe e que a magia já não é um lugar de falha, abordando questões relacionadas com a história da medicina reprodutiva envolvida em sistemas patriarcais, a autodeterminação sobre o corpo, ou ainda a reflexões acerca de enunciados institucionais e constitucionais. Noutro ecrã, conseguimos apreender de um modo mais poético, abstrato e experimental, um novo sentido de nascimento e renascimento, em referência à partenogénese (crescimento e desenvolvimento de um embrião sem fertilização). E no terceiro vídeo, um certo feiticeiro dá uma “palestra” num laboratório, explorando temáticas comuns à instalação audiovisual, como o poder das ervas medicinais, da astrologia e da magia, em contraste com os elementos químicos sintéticos, a ciência e a racionalidade, enquanto poderes patriarcais opressores do novo mundo. Ao longo das imagens em movimento, vemos tal como num documentário ficcionado, o testemunho das personagens, mas em cores contrastantes que vão para além de uma estética do “real”, assim como imagens que se desvanecem umas noutras, desenhos simbólicos e um questionamento constante, ao invés de simples constatações do que é proposto ser elaborado.

Descendo à cave da galeria, por outro lado, ficamos envoltos num ambiente mais claro, com paredes forradas a cartazes e desenhos, que desenvolvem de um outro modo a narrativa de Lyra e Dafne, assim como da nova comunidade. Uma outra forma de apresentação do arquivo da sua história, que começou quando foi descoberta uma bactéria de há tempos remotos, levada para um laboratório e daí sofrendo uma mutação, para mais tarde fugir do lugar e alojar-se em corpos humanos, revelando um outro passado e nesse sentido um novo futuro à humanidade. Desenhos de cores vibrantes, com pormenores de células e plantas, seres mitológicos, pequenas iluminuras, numa desconstrução do desenho científico, assim como das várias técnicas usadas ao longo dos séculos para ilustrar a História e as estórias. De acordo com o texto das artistas, que acompanha o projeto expositivo: Num sentido radical, a exposição podia ser vista como um arquivo da história e resistência desta comunidade. Um conjunto de documentação disposta, não numa lógica linear, mas através de vários meios, plasticidades e abordagens distintas, possíveis através da pluralidade, narratividade e experimentalidade, com que a dupla de artistas deslinda a sua prática artística.

Fogo Posto: Diana Policarpo & Odete está patente na Lehmann + Silva até 31 de julho 2023.

Ana Martins (Porto, 1990) é investigadora doutoranda do i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, na qualidade de bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2022.12105.BD). Frequenta o Doutoramento em Artes Plásticas da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, tendo concluído o Mestrado em Estudos de Arte – Estudos Museológicos e Curadoriais pela mesma instituição. Licenciada em Cinema pela ESTC do IPL e em Gestão do Património pela ESE do IPP. Foi investigadora no Projeto CHIC – Cooperative Holistic view on Internet Content apoiando na integração de filmes de artista no Plano Nacional de Cinema e na criação de conteúdos para o Catálogo Online de Filmes e Vídeos de Artistas Portugueses da FBAUP. Atualmente, desenvolve o seu projeto de investigação: Arte Cinemática: Instalação e Imagens em Movimento em Portugal (1990-2010), procedendo ao trabalho iniciado em O Cinema Exposto – Entre a Galeria e o Museu: Exposições de Realizadores Portugueses (2001-2020), propondo contribuir para o estudo da instalação com imagens em movimento em Portugal, perspetivando a transferência e incorporação específica de elementos estruturais do cinema nas artes visuais.

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