Untitled (It’s About That Time crystal version): João Onofre na Rialto6
Um segmento são vinte segundos, treze compõem esta escultura. Materializa-se em cristal um e período de tempo, and it´s about that time. Não fosse o profundo interesse de João Onofre pela arte conceptual dos anos 60 e 70, aliado ao “humor” que o seu trabalho nos habituou, e o título da peça seria outro, mas não, é mesmo Untitled (It’s About That Time crystal version). Mas este não é um tempo qualquer – nenhum o é – é particular, e o jogo não termina aqui.
Se o interesse pelo conceptual é uma tónica de presença contínua do trabalho do artista ao longo dos anos, a apropriação de referências da cultura popular não o é menos. Em 1969 sai o álbum In A Silent Way, de Miles Davis – de grande importância para o Jazz de fusão e experimentação musical como refere Marc-Olivier Wahler no texto do catálogo – é aí que encontramos os solos I e II de Davis, que partilham o título com a peça. Dividido em três frequências distintas (altas, médias e baixas) o que era audível e se propagava no tempo, ganha forma através da sua duração.
No dia da minha visita, esperava uma amiga em frente da Rialto6. Por muito irrelevante que esta informação possa parecer, foi esta espera que abriu o mote para um primeiro contacto com obra, vista da montra. Não “vemos” inicialmente nela música, há demasiado ruído, quase paradoxalmente não se ouve ainda silêncio, e na música o som e o silêncio devem coexistir. Vemos uma belíssima peça quase decorativa, não fosse esta produzida em colaboração com a Vista Alegre / Atlantis.
A minha amiga chega, its about time de entrar na exposição. Toca-se à campainha – mais um som – lá nos abrem a porta, somos guiados aos nossos destinos. À entrada da sala está uma partitura, esta tanto deixa claro o “tempo” de que a peça trata, como é ela também uma tradução do som em símbolos e códigos visuais. Subitamente todo o som, todo o ruído que se propagava no ar, desaparece, como se tivéssemos dado um passo dentro de um universo do vazio. A sala é insonorizada com espuma de isolamento. Lembro-me de Robert Fludd, na sua descrição de um não-universo, não-existência ou da pré-existência – por muito que este tão iluminado espaço não esteja próximo de um quadrado negro, ou à “noite dos tempos”. Aqui, sons que assumiam antes uma representação visual, transfiguram-se em matéria, onde o tempo delimitou a forma, mas não limita a nossa experiência. Já não. Relacionamo-nos com o som, não pelo seu tempo de propagação, mas pela duração da nossa permanência no espaço.
Os carros que passavam há pouco e que tanto barulho faziam são agora cenário. Digo algo à minha amiga, qualquer coisa serviria o propósito, apenas para me certificar que o som, e o tempo, ainda existem.
A exposição Untitled (It’s About That Time crystal version), de João Onofre, está patente na galeria Rialto6, em Lisboa até dia 21 de julho.