Boy at Work: Cosima von Bonin no Lumiar Cité
Questionar, discutir, interrogar, e desafiar, são aspetos essenciais no processo artístico. É pelo questionamento que construímos significados e que nos conseguimos envolver criticamente com a arte, a cultura e as nossas experiências do quotidiano. Cosima von Bonin levanta uma série de questões e diálogos na sua primeira exposição individual em Portugal, Boy at Work, no Lumiar Cité.
No texto que acompanha a exposição, as interrogações anunciadas pelo autor Luís Felipe Fabre são infinitas:
¿Se solicita um chico? ¿Que se solicita um chico? ¿Um chico como yo, cómo tu, como quién? ¿Que se solicita um hombre? ¿Que qué? ¿Que quién solicita um chico para qué|? ¿Para quién? ¿Que quién necessita a quién? ¿Quién o qué? ¿Que chico? ¿Um chico o um hombre o um chico y um hombre o qué? (…)
E persistem incansavelmente. Estas questões não exigem necessariamente respostas, mas funcionam como catalisadoras da experiência expositiva criada por Cosima Von Bonin. A sua prática artística desenvolve-se entre a instalação e a escultura, fazendo referências à história de arte e apropriando-se de elementos da cultura pop. Boy at Work enquadra-se dentro de uma longa prática na qual a artista faz uso de bonecos de peluche, inserindo-os em cenários que transformam o seu sentido original.
É precisamente por eles que a exposição se inicia. A instalação Marathon, Que Le Fuck Version (2023) é composta por uma série de peluches de desenhos animados, cuidadosamente pendurados num estendal. A seleção de personagens animadas inclui figuras icónicas como Miss Piggy, Piglet ou Porquinha Peppa, instantaneamente reconhecíveis pelo público. As cores, as texturas, e as diferentes versões de porquinhos de peluche, criam um ambiente visualmente cativante. Ao lado do estendal, há um cesto típico para estender roupas, com ainda mais peluches. A combinação de elementos familiares do nosso quotidiano com elementos da cultura pop, expostos num contexto artístico, desafiam imediatamente os limites entre high culture e cultura popular. Por outro lado, também parecem servir à reflexão sobre a relação entre a infância, a memória afetiva e a influência dos media na construção de identidades individuais e coletivas. A experiência completa-se ao sermos confrontados com a nossa imagem em The Lobster (2023).
No percurso até ao piso de cima do Lumiar Cité, encontramos a escultura Privato (2010), construída em ferro lacrado branco, sendo a única obra que não pertence ao conjunto mais recente produzido. Ao subirmos as escadas que nos levam ao andar superior, passamos por uma porta amarela que faz parte da estrutura onde assenta Elmo, o personagem de Rua Sésamo, utilizado por Von Bonin para a instalação The Boy (2023). A artista começou por referenciar a Rua Sésamo no exterior da galeria, onde o título da exposição aparece incorporado no logótipo deste programa infantil. A instalação que vemos é composta por um Elmo animatrónico, um microfone e uma coluna de som. Ao tocarmos no pé de Elmo, o seu show começa. É um brinquedo infantil, que ativado por nós se torna na figura central da exposição. As suas gargalhadas, diálogos ou pedidos de afeto, são amplificados pela coluna de som, ecoando uma energia contagiosa por toda a galeria.
Boy at Work incorpora obras produzidas especialmente para a exposição, incluindo um conjunto de telas que fazem uso de materiais têxteis recolhidos pela artista em Lisboa. Missy Misdemeanor, Work it (2023), Britney, Work Bitch (2023) e Rihanna, Work (2023), são três telas realizadas com colagens de vários tecidos com diferentes cores, texturas e padrões. Em cada uma das peças foi bordada uma frase. Duas delas exibem “Boy Wanted” e outra “Man Wanted”, evocando questões de género, poder e desejo. Os títulos de cada obra fazem referência a músicas pop de artistas mulheres, adicionando uma nova camada de significado onde é introduzido o conceito de trabalho (também já presente no título da exposição).
Por fim, a instalação Mike Kelley is my Goddess (2023), colocada no chão da galeria, é constituída por um tecido quadrangular que serve de base para três porquinhos de peluche colocados frente a frente. O cenário criado por Von Bonin, tem novamente como personagens principais objetos associados ao universo infantil e ao conforto emocional, onde a composição sugere um diálogo ou confronto. O título adiciona mais uma vez significados ao fazer referência ao artista Mike Kelley, conhecido pelas suas enormes instalações com bonecos de peluche.
Em Boy at Work, Cosima von Bonin desafia-nos a explorar a interseção entre uma estética que nos é visualmente familiar e nostálgica com a crítica social. Ao questionar, desconstruir e reconstruir significados, a inocência da infância mistura-se com a ironia da cultura pop.
A exposição está patente até 23 de julho de 2023 no Lumiar Cité.