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NON FINITO – Obras da Coleção de Arte Contemporânea do Estado

A Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE) é feita de várias temporalidades e períodos. Desde a antiga Coleção da Secretaria de Estado da Cultura, a partir da qual a CACE se estrutura, muitos foram os artistas, curadores, movimentos e políticas culturais que consolidaram esta que será, por força das circunstâncias, uma coleção de coleções, por vezes erráticas, por vezes dissonantes, mas sem dúvida inestimáveis para percebermos o percurso da arte contemporânea em Portugal. A sua força reside, aliás, em não tentar encontrar uma coerência e assumir, como revelou em tempos a curadora da Coleção, Sandra Vieira Jürgens, a sua história e orgânica ao longo das décadas – feitas de dissimilitudes, diversos pontos de vista e cadências próprias, consoante os contextos políticos, sociais e culturais do país. É, como refere Vieira Jürgens, “uma coleção que não se baseia na semelhança, mas na diferença”, e é precisamente aí que jaz a sua potência.

Com o tempo, torna-se possível responder a diversas questões. Que podemos entender por Arte Contemporânea? Que país é este? Que políticas culturais se fizeram no âmbito da aquisição de obras? Que artistas cimentaram um percurso notável ao longo dos anos? Que olhar e saber crítico subjaz à escolha das obras? E, talvez mais importante que tudo, para que servem estas obras e que lhes reserva o futuro? Porque a contemporaneidade implica um investimento constante, uma interrogação permanente do que constitui uma temporalidade por vezes evanescente, por vezes estática e identificável no Tempo. E porque, enfim, a contemporaneidade requer esse esforço redobrado de crítica e autocrítica, auscultando os vetores sociais, políticos, culturais e históricos que a põem em movimento e desenham as marcas perenes da passagem humana (e não-humana) pelo Universo.

Depois de Dark Safari inaugurar o ciclo expositivo das mais recentes aquisições, em simultâneo com uma estratégia de descentralização dos lugares e exposição da Arte, NON FINITO prossegue esse trabalho indagatório de tentar perceber as múltiplas naturezas que esta coleção tão plural pode ter.

E se em Dark Safari a tal visão crítica da arte e da História da Arte já era discernível, debatendo as noções de “artista”, “território” e “paisagem” – num espaço, o Museu do Côa, propício a esse debate, pelo entorno geográfico e pela sua missão museológica –, em NON FINITO é a ideia de “coleção-em-perpétua-construção” que é investigada e trazida para a ribalta. Deste modo, recusando uma visão de finitude e procurando abrir sempre novas linhas de análise, NON FINITO sintetiza, em certa medida, uma vontade profundamente política, agregadora e, por isso, em nada neutral, por parte dos vários agentes envolvidos.

Numa segunda leitura, em NON FINITO é igualmente notória a linha narrativa e conceptual que une as obras em torno de uma ideia de teatralidade, evasão, mas também de celebração, fragilidade e camuflagem. Cada núcleo reivindica a construção de um lugar através da arte, ao procurar ligações por vezes temáticas, por vezes plásticas, formais ou materiais, entre as obras. Neste sentido, às peças de Adriana Proganó e Nikolai Nekh subjaz o conceito de construção e desconstrução; em Susanne S. D. Themlitz, Joana Escoval e Miguel Ângelo Rocha é notória a delicadeza, fragilidade e o binómio peso/leveza que une os objetos; em Rosa Carvalho, Fábio Colaço, Daniela Krtsch, Teresa Dias Coelho e Robert Mapplethorpe é a performatividade dos gestos que os junta; em André Sousa, Carlos Noronha Feio, Ruy Leitão e Isabel Carvalho é antes o desenho, nas mais diversas expressões ou materialidade; a paisagem aquosa de Tito Mouraz serve de introdução à especulação anfíbia de Alice dos Reis, etc.

Alguns dos diálogos não são imediatos. Há obras que requerem tempo e abstração. A força de certas peças amplia discursos e expande objetos que lhes são circundantes, ou por serem mais discretos, ou porque o espaço assim o determina. No entanto, nada parece forçado. Certas obras assumem o seu caráter mais solitário ou icónico, quando assim o exigem, como é natural em qualquer exposição. Contudo, e de um modo geral, é notória essa qualidade dialógica que as obras acabam por ter, numa coleção que também ela é feita de encontros.

Em suma, NON FINITO é, como não poderia deixar de ser, uma exposição extensa, com obras que seguramente causam interrogações e inquietação. Mas, como todas as exposições que trabalham sobre uma construção que é feita a vários braços, horizontalmente colaborativa em detrimento de uma “hierarquia de gostos ou conhecimentos”, NON FINITO constitui uma amostra curiosa e interessante, justamente pela sua abrangência e por recusar uma homogeneidade clínica ou controlada, que afaste qualquer espécie de questionamento e surpresa.

Patente no Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco até 3 de setembro, NON FINITO conta com a curadoria de Fernando J. Ribeiro, Pedro Portugal e Beatriz Hilário, e as obras de mais de 40 artistas nacionais e estrangeiros.

José Rui Pardal Pina (n. 1988), mestre em arquitetura pelo I.S.T. em 2012. Em 2016 ingressou na Pós-graduação em Curadoria de Arte na FCSH-UNL e começou a colaborar na revista Umbigo. Curador do Diálogos (2018-), um projeto editorial que faz a ponte entre artistas e museus ou instituições culturais e científicas, não afetas à arte contemporânea.

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