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Pontos de fuga de um olhar comum. Ou pontos comuns de um olhar de fuga?

Assumindo-se como a primeira exposição da Coleção António Cachola focada num meio de expressão, Contravisões – A Fotografia na Coleção António Cachola. Parte 1 propõe, através de diferentes abordagens, o confronto entre distintas obras e artistas, explorando as suas relações, afinidades e tensões.

Patente no Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE) até 11 de junho e com curadoria de Sérgio Mah, Contravisões, pelo seu caráter duplamente expandido – já que uma Parte 2 da exposição inaugura a 26 de junho de 2023 – abre espaço, através de um olhar também ele duplo, do artista e o do público, a diferentes leituras e narrativas. Se esse olhar é já inerente à Arte, aqui, não só o curador como o media apresentado extrapolam essa convocação, num confronto permanente entre imagem(s) e o olhar.

É José Maçãs de Carvalho, em S/título (terminal) (2017) (até quando observado do exterior do edifício), quem primeiramente faz esse convite a entrar nesta viagem, que potencia e permite essas interpretações pela ausência de uma perspetiva hierárquica, historiográfica ou temática – expectável na apresentação daquele que é o suporte com maior presença na coleção.

Na primeira galeria, La Pyramide Humaine (2009), de Filipa César, remete-nos, através da fotografia, para diferentes usos da imagem – o filme – e parece sugerir-nos uma desconstrução desse sistema, ensaiada por meio das relações entre o Homem e a Natureza e da ideia de passagem do tempo. Essas analogias são também evidentes nos trabalhos de Nuno Cera e Daniel Blaufuks, e consequentemente intensificadas pelo trabalho de memória de Daniel Barroca. Noções e ideias presentes igualmente no trabalho de André Cepeda, observado pela figura retratada por Luís Campos, que nos enfrenta diretamente, num confronto também convocado por Fernanda Fragateiro. Em Público/Privado – Doce calma ou violência doméstica (1997-1995), Fragateiro torna-nos parte integrante da sua obra e permite-nos entrar no espaço do privado, já anunciado por João Paulo Serafim e Nuno Sousa Vieira.

Esta tensão entre público-privado é potenciada pelo trabalho de Pedro Barateiro, na escadaria de acesso ao piso superior, ao colocar o espectador no centro da ação e diálogo entre as suas obras. Esse olhar é ainda mais evidente em João Maria Gusmão & Pedro Paiva, que focam todas as suas atenções sobre nós – numa quase tentativa de roubarem o nosso túmulo – estabelecendo uma ponte com o trabalho memorio-ficcional de Salomé Lamas.

O corpo – vivo – passa então a ser ponto central e o, aparentemente inerte e suspenso, crânio de Gusmão & Paiva ver-se-á exaustivamente explorado em Molder, na icónica série Anatomia e Boxe (1996/97), que nos volta a colocar no centro do diálogo e nos remete para a ideia de plasticidade, igualmente presente na obra de Fernão Cruz. E se estas parecem documentar um processo, mais evidente isso será na obra de Patrícia Garrido, dominada por uma ideia de performatividade, na qual o processo se revela como fim – tal como assume Catarina Dias em Sem Título (2017).

É neste último momento da exposição que o olhar é ativamente convocado, de forma literal por Julião Sarmento, em Vox (2001), e no qual se dá um confronto entre a realidade crua dos bastidores captados por Augusto Alves da Silva e a surrealidade imersa nas obras de Mauro Cerqueira e António Júlio Duarte – à qual o primata retratado por Dias parece ficar incrédulo.

Que realidade existe na fotografia?

Pese embora a apresentação das obras não fuja ao que é habitual, estamos perante a fotografia no seu campo expandido. A que reclama outros medias (como o vídeo, filme ou instalação), numa visão múltipla, marcada por um certo fatalismo e decadência – prenunciados pela obra de Dias, no início da exposição –, que se vai afunilando para novamente se expandir – através do olhar telescópico de Miguel Palma –, num ciclo contínuo só possível pelos mundos que a fotografia permite construir.

Assim, podemos assumir que Contravisões reúne diferentes pontos de vista – e, por isso, de fuga – que nos permitem ter um olhar comum, centrado no observador. Observador este que desdobra também ele o seu olhar – em fuga – na busca de um ponto(s) comum(s) entre as diferentes visões.

Contravisões – A Fotografia na Coleção António Cachola. Parte 1, com André Cepeda, António Júlio Duarte, Augusto Alves da Silva, Catarina Dias, Daniel Barroca, Daniel Blaufuks, Diogo Evangelista, Fernanda Fragateiro, Fernão Cruz, Filipa César, Jorge Molder, João Maria Gusmão & Pedro Paiva, João Paulo Serafim, José Maçãs de Carvalho, Julião Sarmento, Luís Campos, Mauro Cerqueira, Miguel Palma, Nuno Cera, Nuno Sousa Vieira, Patrícia Garrido, Pedro Barateiro, Ramiro Guerreiro, Rodrigo Oliveira, Salomé Lamas.

Até 11 de junho, no MACE.

 

Mediador Cultural, Curador e Investigador. Mestre em História e Patrimónios e Licenciado em Património Cultural, pela Universidade do Algarve. É Bolseiro de Investigação no DINÂMIA'CET-ISCTE. Tem-se dedicado sobretudo ao trabalho de Mediação Cultural, de Educação Patrimonial e de Gestão de Projetos Culturais, com foco no cruzamento arte-cultura-educação. Tem participado em várias iniciativas nacionais e internacionais ligadas a projetos culturais na área das artes e inovação, como o ILUCIDARE, European Creative Rooftop Network, e Faro 2027. Foi um dos Jovens Embaixadores MACE 2022 e tem especial interesse pela criação contemporânea, estando a concluir a pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA FCSH. Acredita que 'há um futuro no passado'!

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