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And Now What?: Rúrí no Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso

And Now What?/E Agora? da artista-ativista islandesa Rúrí, no MIEC, com curadoria de Álvaro Moreira, apresenta uma série de instalações, com destaque para Forest (2022-23), realizada propositadamente para o projeto expositivo, com as cinzas e restantes árvores queimadas das florestas da localidade, devido aos incêndios de 2022. A exposição acentua as inquietações da prática artística de Rúrí, nomeadamente a crise climática e o consequente aumento do nível médio do mar, dos fogos florestais e da temperatura dos ecossistemas locais, que vão revelando desigualdades no acesso a água potável, a demais recursos naturais e a melhores condições de habitabilidade, tanto nos seres humanos, como não humanos. A interrogação do título, enfatiza a necessidade de refletirmos sobre novas formas de vivermos no planeta, cuidando e respeitando todos os seres vivos e não vivos.

Rúrí, nascida em 1951, em Reiquiavique, reconhecida como pioneira na arte da performance e da instalação, utiliza diferentes expressões artísticas, que embora sendo heterogéneas, demonstram uma coerência, consistência e desenvolvimento lógico, motivadas por noções filosóficas, como «identidade, tempo, cosmos, relatividade e ambiente» [1], que se vão deslindando à medida que acrescenta novas possibilidades à sua prática artística e ao seu mundo instalativo. Segundo o historiador de arte e curador alemão Christian Schoen, no prefácio da monografia dedicada à artista: «para Rúrí a arte é a linguagem. Permite-lhe que se expresse de maneiras que não seriam viáveis pelo meio da palavra escrita ou falada. A artista aborda noções importantes para todos nós; levanta questões que dizem respeito à vida e à convivência, à coerência cósmica; desafia a relatividade dos objetos e dos fenómenos e interroga o sistema de coordenadas que estabelecemos para estruturar o meio ambiente» [2]. Rúrí, considerada uma artista-ativista, faz da sua prática artística, uma forma de ação política ou social, com o fim de expressar as suas preocupações em relação ao que a rodeia, defendendo «a descolonização, o feminismo, a justiça ambiental e política, e os direitos humanos/não humanos», como nos demonstra o texto que acompanha a exposição. A arte ativista é um termo usado para descrever as práticas artísticas que abordam questões políticas ou sociais, através de ações, que potenciem experiências, que desafiem as estruturas de poder. O reconhecido professor e investigador de arte Boris Groys no texto On Art Activism (2014), afirma que a grande problemática teórica, política e prática das discussões atuais acerca da arte ativista, reside no facto de se encontrar num lugar ambíguo, no meio entre arte e ativismo. Crítica, que opera sobretudo, consoante as noções de estetização e espetacularidade ligadas às teses de Walter Benjamin e Guy Debord, que defendem que a estetização e a espetacularização da política, anula os objetivos práticos do ativismo. Contudo, o autor conclui que: «O facto de a arte ativista contemporânea estar cativa desta contradição é algo bom. Em primeiro lugar, porque apenas práticas autocontraditórias são verdadeiras, no sentido mais profundo da palavra. E em segundo lugar, porque no mundo contemporâneo, apenas a arte indica a possibilidade de revolução, como uma mudança radical, além do horizonte dos nossos desejos e expectativas atuais».[3] Rurí, em And Now What? demonstra justamente esse desejo e possibilidade de mudança.

Quando entramos no MIEC, deparamo-nos com Elimination II (2006), uma série de fotografias de cascatas que desapareceram, devido à construção de barragens em Kárahnjúkar na Islândia, assim como outras que foram afetadas pelo empreendimento hidroelétrico. A água é um elemento corrente no trabalho de Rúrí, assim como as cascatas, uma das formas mais poderosas de representação do elemento, que circula por todo o globo. A serialização das fotografias, enfatiza a chamada de atenção para a problemática da água, primeiro pela forma como as barragens constituem fronteiras entre nós e os elementos que nos envolvem, pela forma devastadora como a humanidade tem extraído os recursos naturais do planeta e pela escassez de água em muitas zonas da Terra, devido às alterações climáticas. No seguimento, descendo ao piso -1, é nos revelado Future Cartography XIII (2023), uma instalação em processo, que neste caso é composta por cinco telas, que figuram partes de mapas geográficos, como de mares e oceanos junto à Índia, Portugal ou Islândia, partindo de uma longa tradição cartográfica. Aqui, são estudo de um possível futuro do estado das costas terrestres, baseado em cálculos da massa de água que será libertada durante o derretimento total da camada de gelo da Antártica, através da recolha em bases de dados internacionais de domínio público. Novamente, um alerta, para a crise climática e o consequente aumento do nível médio do mar, tendo a água como elemento principal, assim como a repetição, como processo de análise, reflexão e ação perante o problema. Estabelecendo um paralelismo com a instalação Water Balance IV, em que a artista coloca cento e vinte frascos de vidro translucido, parcialmente enchidos com água, em duas estantes de aço com grades, acentuando a importância do elemento líquido, como o bem mais precioso para a vida.

Por outro lado, ainda descobrimos World Map Laboratory (2023), uma instalação, semelhante a um laboratório, com os seus vários instrumentos e decoração alusiva, com um som do tique-taque de várias tipologias de relógios a reverberar pela sala. O trabalho foi ativado por uma performance realizada na inauguração, em que a artista pegava em várias páginas de um Atlas do Mundo, transformando cada uma delas em pedaços, através de um triturador de papel eletrónico, colocando-as depois num saco de celofane transparente, com uma etiqueta com a mesma legenda da página original do livro, pendurando-as depois numa parede. Ressalvando, no mesmo piso, o vídeo em loop ITEMS (1978-2006), que por sua vez, salienta a ideia de sequência, pelo meio da aparição de palavras na tela sob um firmamento.

Voltando a subir, seguimos por um estreito corredor, rodeados por sacos de celofane transparente, com restos de cinzas de floresta queimada, com uma das seguintes descrições: Steps in the Forest/Passos na Floresta (2022) – Step Twenty/Passo Vinte – Santo Tirso 2023. Pegadas que nos conduzem para Forest(2022-23), uma espécie de tapete que percorre o corredor do antigo mosteiro, composto por cinzas, pinhas e partes de árvores queimadas de florestas próximas, como Monte Córdova, Santa Cristina do Couto e São Miguel do Couto, destruídas pelos incêndios do ano passado. Á medida que o percorremos ainda sentimos o cheiro da cinza, como se estivéssemos numa cerimónia fúnebre, ou até mesmo num cemitério, sentido os remanescentes dos seres que outrora tiveram vida, relembrando o flagelo dos constantes incêndios no nosso país e noutras zonas da Terra. Não obstante, as frases da artista sobre a sua experiência nas florestas, inscritas nas paredes das salas contíguas, pertencentes à exposição permanente do Museu Municipal Abade Pedrosa (MMAP).

Em tom de conclusão, e perante a interrogação do título da exposição: E Agora?, gerador de uma reflexão, uma possibilidade de mudança e de um desejo por um mundo melhor, face à crise climática, relembramos a percursora ficção-científica Nós (1920) do autor Evgueni Zamiatine. Quando se avizinha a primeira experiência de voo do Integral no qual o personagem irá fazer parte, ele e E- entram num diálogo acesso, pois ela pretende sabotar a missão, encadeando uma revolução, terminando com o regime em que vivem, e ele tenta a dissuadir, dizendo o quão absurda será a ação, acreditando que a última revolução já fora feita e que toda a gente é feliz. Contudo E- questiona: E depois? O que é que vem depois? Refletindo mais tarde: «– As crianças são os únicos filósofos ousados. E os filósofos ousados são todos necessariamente crianças. E não podemos deixar de fazer a pergunta que fazem as crianças: «E depois?»[4]» 

And Now What? de Rúrí está patente no MIEC até 25 de junho de 2023.

 

[1] Tradução livre da autora. Schoen, C. (2011). Preface. Em H. Cantz, Rúrí monograph (p. 6). Ostfieldern. Obtido de: https://ruri.is/the-artist/

[2] ibidem

 [3] Tradução livre da autora. Groys, B. (Junho de 2014). E-flux Journal. Obtido de On Art Activism: https://www.e-flux.com/journal/56/60343/on-art-activism/

[4] Zamiatine, E. (2017). Nós. Lisboa: Antígona. (p. 208).

Ana Martins (Porto, 1990) é investigadora doutoranda do i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, na qualidade de bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2022.12105.BD). Frequenta o Doutoramento em Artes Plásticas da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, tendo concluído o Mestrado em Estudos de Arte – Estudos Museológicos e Curadoriais pela mesma instituição. Licenciada em Cinema pela ESTC do IPL e em Gestão do Património pela ESE do IPP. Foi investigadora no Projeto CHIC – Cooperative Holistic view on Internet Content apoiando na integração de filmes de artista no Plano Nacional de Cinema e na criação de conteúdos para o Catálogo Online de Filmes e Vídeos de Artistas Portugueses da FBAUP. Atualmente, desenvolve o seu projeto de investigação: Arte Cinemática: Instalação e Imagens em Movimento em Portugal (1990-2010), procedendo ao trabalho iniciado em O Cinema Exposto – Entre a Galeria e o Museu: Exposições de Realizadores Portugueses (2001-2020), propondo contribuir para o estudo da instalação com imagens em movimento em Portugal, perspetivando a transferência e incorporação específica de elementos estruturais do cinema nas artes visuais.

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