Sobre o infinito em cada um de nós: Luigi Ghirri no MAC/CCB
No processo de escrita deste artigo – longo por sinal, como a maturação das impressões à cerca do trabalho de Ghirri assim exige – deparei-me, através da internet – esse imenso e infinito mundo de imagens – com uma fotografia a uma pintura do artista Venezuelano Juan Araujo. Essa pintura particular partia de uma fotografia de Luigi Ghirri para fazer referência a Morandi.
Porque é que isto é relevante? Porque, se se pode entender o trabalho de Juan Araújo enquanto uma oscilação entre a ideia de apropriação de determinadas figuras e questões da história de arte recente, e o “pensamento sobre o labirinto de referências que definem os processos criativos”[1], talvez se possa enquadrar o trabalho de Ghirri, não tanto como uma referencia ou apropriação – apesar de Morandi – mas como pensamento, não só dos processos criativos entendidos enquanto procedimentos que tem como fim a realização de imagens, mas acerca de todos os olhares que lhes são dirigidos, gerando um ilimitado potencial de interpretação do qual é impossível numerar.
Talvez todo o trabalho de Ghirri se baseia numa espécie de co-responsabilidade assumida na experiência da cada fotografia, onde o que ele nos pretende dar a ver está plenamente associado à experiência de cada um (talvez por isso sejam imagens tão pequenas). E se é sempre assim em todas as imagens, o conceito chave aqui é mesmo o reconhecimento dessa pretensa. Esta é aliás a característica que me permite abrir este texto que fala de Ghirri com a referência a uma pintura que me foi dada a ver por coincidência ou obra do destino, e que torna essa mesma pintura ainda mais interessante. Tende Juan Araujo consciência da ambiguidade das imagens de Ghirri, utiliza-as, para dar respostas diferentes a questões comuns.
Luigi Ghirri cita Bob Dylan, num ensaio de 1984 que partilha nome com esta primeira mostra do artista italiano em Lisboa. Esse ensaio tem o nome de “Obra aberta”, e nele se ouvem ecos de um outro “irmão” mais velho[2]. O músico americano fala-nos da incapacidade de estar consciente de todas as influências que tornaram um dado trabalho possível, desde as caras que se esqueceu, “os momentos de viragem, as curvas os corta-matos que desapareceram da vista” e que este deixou para trás[3]. Para Ghirri essa inconsciência torna-se uma forma de estar e ver o mundo, e mais do que isso, dar a ver o mundo – e aqui se separa de Juan Araújo.
Da seleção de imagens que nos é apresentada na exposição – pouquíssimas junto do enorme espólio do artista – quase todas aparecem sobre o desígnio de Paesaggio Italiano, mas têm a beleza de puder ter sido em qualquer lugar do mundo. A fotografia de Ghirri é uma forma de estar. Não é política, mas reflete inevitavelmente o conceito em que acontece, o seu pretexto é dar-se a ver.
E aqui fica criada uma teia de influências mais ou menos relevantes – mas não suficientes – para entender a obra de um dos mais importantes nomes do modernismo fotográfico do seculo XX. E digo não suficientes porque a variável que mantém a obra de Ghirri aberta é a atitude tomada por cada espectador perante a imagem que lhe faz frente.
A exposição Luigi Ghirri, Obra Aberta tem curadoria de Pedro Alfacinha e está patente no Museu MAC/CCB até dia 4 de junho de 2023.
[1] Texto referente à exposição “El Jardín de los senderos que se bifurcan” de Juan Araujo, na Culturgest em 2018. Disponivel em: https://www.culturgest.pt/pt/programacao/juan-araujo/
[2] Livro de Umberto Eco com o mesmo nome
[3] Citação de Bob Dylan, no ensaio “Obra Aberta” (1984) de Ghirri. Presente na folha de sala.