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Uma visita à “Escola do Porto Santo: uma obra de Raúl Chorão Ramalho”

A escola primária do Porto Santo, da autoria do arquiteto Raúl Chorão Ramalho (1914-2002), foi construída nos anos 60, e a sua qualidade arquitetónica tornou-a um marco histórico, tendo recentemente sido considerada património de interesse público. O seu edifício é o resultado de um estudo profundo da ilha por parte do arquitecto, conjugando a linguagem e valores da arquitetura moderna com os materiais, métodos construtivos e características da arquitetura vernacular local.

Desde 14 de Março que é possível experienciar este lugar através da exposição Escola do Porto Santo: uma obra de Raúl Chorão Ramalho, com curadoria de Madalena Vidigal e Diogo Amaro, no Centro de Arquitectura/Garagem Sul do Centro Cultural de Belém em Lisboa.

A escola esteve em funcionamento entre 1968 e 2018 e este projeto de investigação, que acabou por culminar numa exposição, iniciou-se em 2019, quando a escola foi cedida à Porta 33, tendo sido convocado um encontro com o intuito de debater o que iria acontecer naquele lugar, no qual a curadora Madalena Vidigal esteve presente. A partir deste momento iniciou uma investigação acerca do edifício da escola, dada a sua importância histórica e o seu autor.

No final de 2020, houve a capacidade de avançar com umas pequenas obras de remodelação dos espaços, altura em que Madalena Vigidal convidou o Arquiteto Diogo Amaro para desenvolver em conjunto com ela a investigação e reflexão que havia começado numa perspetiva de intervir no edifício. Esta exposição é o resultado dessa reflexão e foi a primeira vez exposta na própria escola no Porto Santo em 2021.

Perante a oportunidade de trazer a exposição para Lisboa, a mesma seria deslocada do seu contexto e, portanto, teria que ser repensada. Neste sentido, os curadores optaram por dividi-la em três partes, Ambiente, Matéria e Arquitetura, partindo de uma escala territorial até à escala doméstica do espaço habitado.

No grande mapa histórico colocado à entrada da exposição, é possível ler o território da ilha que se apresenta bastante árido e seco devido à escassez de chuva que se verifica ao longo de praticamente todo o ano, tendo-se inclusivamente extinguido muitos cursos de rios. A sua topografia maioritariamente plana torna-o também bastante exposto aos ventos marítimos. O edifício dá resposta às condições climáticas extremas do lugar, contribuindo para a fixação de população naquele ambiente inóspito.

Os estudos solares desenhados à mão, que acompanham o grande mapa, são reveladores da procura do arquiteto em “agarrar” o edifício ao território, definindo a melhor orientação para as suas fachadas e determinando os sistemas de sombreamento necessários a um eficiente comportamento térmico do edifício. As palas e tapa-sóis que desenha nas fachadas mais expostas aos raios solares completam estes estudos. Por outro lado, os pátios que coloca em frente a cada uma das salas de aula procuram conter os ventos a que o edifício está exposto e criar lugares de estadia exteriores protegidos das intempéries, estendendo o interior para o exterior. Todos os espaços interiores e exteriores são dimensionados, desenhados e articulados de modo a cumprirem os critérios de conforto mais favoráveis possível tendo em conta o bem-estar dos utilizadores.

Apesar de a escola ter sido inicialmente pensada para um lugar distinto do onde hoje se implanta, para “a zona central da vila”, o seu desenho modular manteve-se praticamente inalterado, demonstrando a flexibilidade e adaptabilidade da solução arquitetónica.

Durante a construção, enfrentaram-se os desafios de construir numa ilha, lugar onde existem grandes restrições operativas e de recursos que influenciaram e foram mesmo definidoras das arquiteturas insulares, nomeadamente ao nível dos materiais e técnicas de construção. A escola do Porto Santo, tratando-se de um edifício moderno, utiliza o betão na sua base construtiva e adota uma linguagem moderna, sem, no entanto, descurar os materiais e recursos da ilha.

As cinco fotografias da autoria de Duarte Belo, são o resultado de uma residência que o artista efetuou na própria escola, e registam vários materiais existentes na ilha utilizados no edifício – a areia, que serve de inerte na constituição do betão conferindo-lhe uma cor própria e está também presente no pavimento exterior da escola; a cal, que constitui uma das maiores, entre as poucas, indústrias do Porto Santo e é utilizada no acabamento das paredes em blocos de betão; o basalto, visível nos pavimentos em “calçada madeirense”; o traquito, rocha vulcânica porosa, de cor cinzenta-clara, a chamada Pedra Branca do Porto Santo, que é utilizada nas ombreiras e elementos resistentes do edifício; a bentonite, argila, que é normalmente utilizada na construção de coberturas, denominadas localmente como “coberturas de salão”,  foi o material inicialmente escolhido por Raúl Chorão Ramalho para as coberturas da escola.

Trata-se de uma obra que abraça o desafio de se constituir escola, revelando grande experimentação tipológica e construtiva, tendo por base quer o contexto da arquitetura internacional da época, quer o contexto e a realidade local da envolvente insular. “A Escola da Vila é um testemunho do modo como a arquitetura pode, simultaneamente, ser inovadora e celebrar os valores culturais de um lugar. Esse equilíbrio é tanto necessário quanto difícil de preservar, num momento em que a dimensão global do nosso quotidiano nos faz perder de vista a ligação aos valores que nos definem e em que se assiste à homogeneização e empobrecimento da arquitetura nas cidades e paisagens em que habitamos” lê-se na brochura que acompanha a exposição.

A escola do Porto Santo, da autoria do arquiteto Raúl Chorão Ramalho, é hoje parte integrante da memória e identidade da comunidade Portosantense, tendo durante muitos anos sido a única escola primária da ilha. O vídeo de Francisco Janes, concebido especificamente para a exposição, encerra-a, documentando vários ambientes dos espaços da escola intercalados com ambientes da ilha do Porto Santo, permitindo uma experiência à distância do edifício e da sua envolvente.

Para quem não se possa deslocar à ilha para uma visita, poderá dirigir-se ao Centro de Arquitectura/Garagem Sul do Centro Cultural de Belém em Lisboa até ao dia 10 de Setembro 2023 para experienciar os espaços desta escola, através da exposição Escola do Porto Santo: uma obra de Raúl Chorão Ramalho, com curadoria de Madalena Vidigal e Diogo Amaro.

Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.

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