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O Desenho como Pensamento Ciclo de exposições e conversas – 3º módulo de exposições Cristina Ataíde, Francisco Vidal, Carlos Garaicoa

Desde 14 de janeiro que o Centro de Artes de Águeda / Município de Águeda, com a Universidade de Aveiro e o Município de Albergaria-a-Velha como coorganizadores, promovem a segunda edição d’O Desenho como Pensamento, com direção artística de Alexandre Baptista. À imagem da edição exordial, o intuito deste ciclo passa por dar a ver o trabalho de artistas plásticos que, de algum modo, privilegiam o desenho na sua obra. Para além de um calendário mensal de três exposições individuais em simultâneo, em diferentes espaços da cidade de Águeda, O Desenho como Pensamento apresenta igualmente um ciclo de conversas e três exposições coletivas. Neste pequeno texto, debruçar-me-ei no terceiro módulo expositivo, inaugurado no dia 22 de abril, e que estará patente até dia 24 de maio. A tríade, composta por dois artistas portugueses e um artista internacional (pela primeira vez no registo d’O Desenho como pensamento, em teor monográfico), traz a este momento do ciclo uma relação de tensão entre desenho e política.

No Salão de Chá do Parque Municipal Alta Vila, em Águeda, encontramos Skin Afair, de Cristina Ataíde. Cinco desenhos, quatro na sala preambular no espaço, nas paredes, e um outro, no salão, que dissipa as condicionantes arquitetónicas do interior deste espaço, dadas as suas características de desenho-instalação. Em ambos, Cristina Ataíde recorre à técnica de frottage para registar e recolher fragmentos dos espaços do mundo por onde passa, escrevendo, inclusive, a localização da proveniência desses registos e até a hora e a data dos mesmos. Numa das obras, por exemplo, lê-se “Largo de S. Bento 23.7.2012 13h”. A edificação de um momento está nesta capacidade inerente ao ser humano de o registar. Neste caso, e dado o método ao qual recorre a artista, o gesto passa precisamente por recolher a pele do espaço, sendo que é a própria Cristina Ataíde que a produz. O mundo não muda de pele, o que talvez fosse muito vantajoso para quem procura, de alguma forma, recolhê-la, mas há formas de procurar a pele do mundo, sempre em consonância com o preciso momento da recolha. E este momento, do instante ao tempo político em que se vive, é pisado por ideias e vontades que Cristina Ataíde regista junto aos desenhos. No fundo, entre o visível e o invisível, para que não nos esqueçamos onde pomos os pés e onde pomos as ideias. “Eu preservo a terra”, “Eu condeno a violência” ou “Eu gosto de me surpreender” são, assim, aforismos que acompanham o visitante na procura pelo lugar certo, na tensão entre o lugar do corpo e o lugar das ideias.

A ocupar a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (Universidade de Aveiro) e a Biblioteca Municipal Manuel Alegre encontramos a exposição Máquina Utópica-Poema Livre, de Francisco Vidal, que reúne desenhos, essencialmente de grande escala, que percorrem, maioritariamente, questões raciais. Desde autênticos truísmos no contexto do antirracismo, a figuras históricas e episódios mais íntimos da vida do artista, o espectador assiste a uma politização aguda do desenho, necessária, ativista e permanentemente urgente. Confiemos também a estes desenhos a vigília pela igualdade.

Por último, na Sala Estúdio do Centro de Artes de Águeda, encontramos quatro trabalhos que compõem Bestiario, exposição do artista cubano Carlos Garaicoa, que se trata de uma série de fotografias de grande formato impressas em tela, retratando animais pintados, anonimamente, nas paredes de Havana, num título que faz referência a Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e à literatura medieval. Ao captar estes animais, representações de organismos vivos, Carlos Garaicoa regista, inevitavelmente, a arquitetura onde os mesmos estão inscritos, e, consequentemente, questões sociais da própria urbe que a alberga. Várias questões acerca da relação do indivíduo com a cidade podem ser convocadas, não só na relação com esta exposição, mas na procura por uma transversalidade entre as três. Deixo, abaixo, algumas notas breves sobre essa relação:

– O individuo, a partir dos movimentos corpóreos, forma o mapa da sua vida (cf. Walter Benjamin), é certamente o mesmo para os movimentos políticos;

– A Cidade é um espaço onde facilmente se neutraliza a individualidade do eu;

– Essa neutralização deve ser combatida, na medida do possível;

– A individualidade exacerbada poderá trazer, no limite, a anarquia;

– Todos os movimentos, de qualquer génese, são, afinal, políticos;

– Podemos, assim, falar em desenho político, ou será todo o desenho político?

– A humanidade é a pele do mundo;

– A tentativa de mapear o visível serve, na verdade, para que não nos esqueçamos do que não vemos.

É ainda importante referir que, no próximo módulo de exposições, O Desenho como Pensamento contará com as obras de Vasco Araújo, Gabriela Albergaria e Marcelo Moscheta (3 de junho a 5 de julho). Pelo meio, inaugurará ainda, a 13 de maio, a exposição coletiva, com curadoria de Ana Anacleto, no Espaço Expositivo do Centro de Artes de Águeda. O ciclo seguirá até ao dia 30 de setembro, com mais momentos na sua programação, que pode ser consultada na íntegra, aqui, no site de um dos seus coorganizadores, a Universidade de Aveiro: https://www.ua.pt/pt/noticias/1/79593.

 

 

 

 

 

Daniel Madeira (Coimbra, 1992) é licenciado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Curatoriais pelo Colégio das Artes da mesma universidade. Coordenou, entre 2018 e 2021, o Espaço Expositivo e o Projeto Educativo do Centro de Artes de Águeda. Atualmente, colabora com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC).

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