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Entrevista com Felix Vong, autor da capa do mês

Mafalda Ruão entrevista Felix Vong, autor da capa do mês de Umbigo, uma provocadora voz que se manifesta nos gestos rebeldes que combinam ilustrações com inspiração punk e pinturas-afirmações. Revelam muito mais do que uma observação superficial nos mostra. Ao olharmos com atenção, encontraremos pistas sobre questões sociopolíticas locais, nomeadamente de Portugal, onde o artista hoje reside. Afinal, a contemporaneidade é a participação nas questões urgentes do presente e, mais importante ainda, o momento em que tornamos nossos estes problemas.

Vong, com as suas peças, aponta para questões de apropriação e autoria, com um sentido de humor refinado entre o calão e o discurso coloquial. Isto estimula o debate, ao mesmo tempo que realça as produções feitas num ambíguo espaço-limite, antagónico à ordem e ao comportamento obediente.

Utilizando as piadas como arma, Vong acredita que os seus atos escondem sempre uma verdade mais profunda. Podemos, então, afirmar: ele finge e, por isso, fala a sério.

A galeria de arte, no seu formato white cube, a arte de rua/arte meme? O que lhe é mais familiar?

Ambos. Adoro visitar galerias de arte e museus (exposições no geral). Tem tudo que ver com a experiência de ter a obra de arte à nossa frente, vê-la com os nossos olhos, pensar e sentir com a nossa própria cabeça, etc. A rua e a arte meme representam uma dimensão diferente. Têm a sua própria força no momento da apresentação, algo que o white cube por vezes não consegue replicar; por exemplo, a capacidade difusora das obras, o impacto de ir além da galeria, alcançar uma existência mais ampla na internet. O espaço certo para vivenciar a arte é onde ela me consiga inspirar e tocar.

De John Baldessari a Vhils, de Richie Culver a Basquiat, onde se posiciona nesta mistura de tantos nomes?

‘A minha arte é sempre a arte dos outros, mas diria também que a inevitabilidade da arte contemporânea é que ela é também, e sempre, um autorretrato’, quem o disse foi Gavin Turk em entrevista. Comecei a minha prática artística ao troçar das artes que mais valorizo noutros artistas. George Bernard Shaw disse: ‘A imitação não é apenas a forma mais sincera de elogio, é também a forma mais sincera de aprendizagem’. Mas hoje afirmo que ‘eu simulo, logo eu existo’. Quando tenho uma nova ideia, vivo uma espécie de renascimento, onde me transformo noutra pessoa, para encarnar outra vida; à semelhança do conceito de budismo, uma vez terminada a obra de arte, essa parte de mim morreu, e tenho de seguir em frente. Por vezes, apercebo-me de que este sentimento me liberta dos meus limites. Faz-me continuar a experimentar e a ir mais longe.

Foi um sonho cumprido fazer parte da coleção de livros Thames & Hudson? Qual a motivação por detrás deste trabalho?

Sim ou Não. Irei considerá-lo um bónus se um dia acontecer, mas a minha satisfação enquanto artista é o processo de fazer arte. É onde reside a minha felicidade. Quando recebi esta oportunidade de falar um pouco sobre mim, pensei em fazer algo novo para publicar na UMBIGO. Foi aí que surgiu a ideia desta série de desenhos, originalmente da autoria de Cecília Corujo. Ela fê-la no seu último ano escolar como capa de portfolio, dizendo que nunca foi boa a design, razão pela qual concebeu os seus trabalhos no formato World of Art, a série de livros Thames & Hudson, afirmando que ‘mistura gestos manuais infantis e a estética amadora com publicações de séries académicas high-art’. Em 2013, Sara & André convidaram-na também a criar uma série semelhante para eles, que agora pertence ao projeto em curso Foundation. Agora, para a Umbigo, apresento a World of Art como uma espécie de autorretrospectiva para me apresentar, usando literalmente capas de livros para a capa mensal da Umbigo. Uma espécie de jogo de palavras.

Com base em afirmações como ‘Forjador de arte contemporânea’ ou ‘Sou um falso pintor’, a sua prática artística é uma forma de dizer a verdade através de mentiras?

‘Sou um falso pintor’ é uma piada privada. Não tenho formação enquanto pintor (estudei design gráfico e publicidade). Quando fiz esse trabalho, aprendi precisamente durante o processo de tentar pintar uma tela maior. Por outro lado, pinto tudo aquilo que desejo ridicularizar. Acabo, assim, por ser um pintor de falsas obras.

Acredita em tudo o que diz? 

Sim, mesmo que seja uma piada, pois cada piada contém um ingrediente mais ou menos sério.

Através de uma forma cómica e coloquial, acha possível abrir os olhos das pessoas para os problemas institucionais e financeiros da cena artística portuguesa?

Enquanto artista, devemos tentar sempre abrir o diálogo, procurar soluções e ser inspiradores.

O que planeia para sua próxima verdade mentirosa?

Vou abrir o meu próprio ‘Museu de Arte Contemporânea’, em breve… Estou a falar a sério. Gostaria de citar David Bowie: ‘Não sei para onde vou, mas prometo que não vai ser chato’. Afinal, temos de ser francos, humildes, gostar do que temos, fazer as coisas com paixão, ser curiosos e ter entusiasmo pelas as ideias que vão surgindo. São estes os objetivos, acho.

Mestre em Estudos Curatoriais pela Universidade de Coimbra, e com formação em Fotografia pelo Instituto Português de Fotografia do Porto, e em Planeamento e Gestão Cultural, Mafalda desenvolve o seu trabalho nas áreas de produção, comunicação e ativação, no âmbito dos Festivais de Fotografia e Artes Visuais - Encontros da Imagem, em Braga (Portugal) e Fotofestiwal, em Lodz (Polónia). Colaborou ainda com o Porto/Post/Doc: Film & Media Festival e o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Em 2020 foi uma das responsáveis pelo projeto curatorial da exposição “AEIOU: Os Espacialistas em Pro(ex)cesso”, desenvolvido no Colégio das Artes, da Universidade de Coimbra. Enquanto fotógrafa, esteve envolvida em projetos laboratoriais de fotografia analógica e programas educativos para o Silverlab (Porto) e a Passos Audiovisuais Associação Cultural (Braga), ao mesmo tempo que se dedica à fotografia num formato profissional ou de, forma espontânea, a projetos pessoais.

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