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Entrelinhas. Jorge Martins e Mónica Coelho na Galeria Ratton

A exposição Entrelinhas – Jorge Martins e Mónica Coelho, patente na galeria Ratton, resulta de um convite que foi feito à artista Mónica Coelho para desenvolver trabalhos em torno da obra azulejar de Jorge Martins.

No espaço da galeria, fios metálicos, previamente manipulados pela artista, ostentam percursos coloridos, e evocam trajetos helicoidais e espiralados presentes na obra do artista Jorge Martins. As linhas mutantes progridem, inteiriças, no sentido vertical, da base até ao topo da galeria.

As variantes da linha, aqui moldadas pela artista, saem do plano quadriculado, vítreo, do azulejo e espraiam-se no espaço da galeria, em duas oposições distintas. Por um lado a linha estabelece um caminho rectilíneo claro, por outro, e de súbito, altera o seu percurso e inaugura um trajeto serpenteante, e algo livre, de sinuosidades espiraladas e ondulantes. Algumas particularidades parecem emergir: primeiro a linha reta surge enquanto agente de uma ideia de percurso a que Kandinsky apelidava de “negação total do ponto”, depois a linha curva, neste caso espiralada, em que o mesmo Kandinsky descreveria como sendo um “círculo desviado do seu modo regular”[1], por fim a coloração à superfície da linha, que assegura a ligação com a pintura de azulejos de Martins.

Há, na interpretação da artista, um afastamento da representação do plano, interessando a linha, enquanto elemento autónomo do desenho (no espaço). Entre os fios metálicos presentes na galeria, existem duas densidades que parecem despertar um olhar atento, uma densidade que se assemelha mais à sinuosidade fluída da linha, outra que aparenta uma proximidade com a mancha, propriedade por excelência do desenho, e que evoca a ideia de sombra, mimetizando os elementos plásticos habituais presentes na obra de Jorge Martins.

Será José Gil, na obra o Caos e o Ritmo, que irá explicar que a propriedade do que é contemporâneo, reside no “pico do presente”, ou seja, no “presente puro”, “despojado do passado”. “Na orla do futuro desconhecido”. E é justamente nessa “orla do futuro” que a artista parece permanecer. O “estar aberto para receber do futuro as linhas de força do futuro presente”, ou, como diria ainda Gil “situar-se no movimento da onda que vem do desconhecido”[2].

Esse lugar existente e que se encontra no limiar entre o que é presente e o futuro intuído, ou em aberto, também se revela frágil, fugidio, quebrantável. Anunciando a desintegração e a transitoriedade. As obras de Mónica Coelho aparentam essa brandura do efémero. Ameaçam ceder, ou desagregar-se, a qualquer momento, mas enquanto forem permanecendo, dimanam um arco de beleza e fluidez, evocam lugares celestiais e reinos autênticos de deleite criativo, onde há espaço para a curva dos espelhos, para a aisthesis, para as sombras e para sonhos.

Entrelinhas está patente na Galeria Ratton até 30 de abril.

 

 

[1] Kandinsky, W. (2006) Ponto, Linha, Plano. Edições 70. Pág. 83.

[2] A definição de contemporâneo surge explicitada na obra de Gil, J. (2018) Caos e Ritmo, Relógio D´Água Editores, pág. 398.

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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