Gestos Concêntricos: José Pedro Croft na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva
“A origem da arquitectura não é nem a cabana primitiva, nem a caverna, nem a mítica casa de Adão no Paraíso. Antes de transformar um apoio em coluna, antes de colocar pedra sobre pedra, o homem colocou a pedra no terreno para reconhecer um lugar num universo desconhecido: para o reconhecer e modificar.”[1]
Este é talvez o primeiro gesto para a referência geodésica de um lugar. O segundo atrevo-me a sugerir que seja aquele que José Pedro Croft persegue em Et sic in infinitum: o círculo. O círculo é uma forma geométrica exaustivamente repetida na iconografia desde a pré-história. Deve-se ao círculo, o desenho da projeção do Sol e da Lua na Terra – o cromeleque é a sua expressão cosmográfica. Dentro dos seus limites é definida a superfície ou circunferência onde a vida acontece. Importa esta distinção entre círculo e circunferência. O círculo enquanto linha, delimita a dicotomia interior/exterior, as posições relativas dos objetos no espaço: o que está fora e o que está dentro. A circunferência está entre o vazio, o minguante ou crescente e o cheio, preenche o plano. Como limite, o círculo é também uma fronteira, a demarcação jurídica de um território reconhecível – uma área de proteção especial.
José Pedro Croft resgata o círculo ao cosmos para o trazer à bidimensional da folha de papel ou da parede da galeria. Círculos abertos, semicírculos, círculos que se entrecruzam, um loop de próximo e distante, de luz, matérias e textura. Planos abrangentes, ora curtos, ora tendendo para o infinito. Geometrias in situ descentradas ou sobrepostas configuram formas abertas e possibilidades de leitura, mas sobretudo convites a entrar – O mesmo convite performativo de Please Come In que em 1955 o artista Kazuo Shiraga (1924 -2008) construiu com o arquétipo da cabana primitiva. [2]
Croft não questiona apenas a nossa relação com as formas e forças gravitacionais do universo, como nos envolve, espectadores, na dança do espaço que é sobretudo visual. Aliás a obra do artista e a arquitetura partilham o mesmo léxico compositivo, contaminando-se, tanto nesta exposição como em todo a sua extensão. Et sic in infinitum explora a capacidade extraordinária do cérebro em juntar e fazer sentido o caótico. As peças, instaladas nas paredes brancas, são como textos incompletos, com letras trocadas ou vocábulos perdidos. As múltiplas linhas incompletas são no seu limite sempre simples círculos. Lemos sempre, quer nos afastemos ou aproximemos, círculos perfeitos.
A luz, neste exercício de totalidade, é fundamental na perceção das obras, não apenas porque as ilumina, mas porque lhe atribui gradientes de claridade, sub-linha. Umas são estruturadas, outras exploram o binómio claro/escuro ou luz/sombra, revelando um negro imperfeito ou ténues linhas desenhadas sobre o estuque. Circunferências que perguntam ao desenho e à pintura se são tridimensionais, e às esculturas se querem ser apenas planas.
O equilíbrio entre caos e ordem estão ligados por um vão em arco, entre o que reconhecemos e controlamos, e a experimentação Et sic in infinitum com curadoria de Sérgio Mah pode ser visitada até dia 28 de maio na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva.
[1] Vittorio Gregotti, 1983, cit in Keneth Frampton – Introdução ao estudo da cultura tectónica. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1998.
[2] Referência ao pintor abstrato, japonês, em particular à performance Red Logs (Please Come In) apresentada por duas vezes em 1955 no The Experimental of Modern Art to Challenge the Burning Midsummer Sun, no parque Ashiya e depois na The First Gutai Art Exhibition.